30 setembro 2006

Aceleração retórica

O meu marido não me faz feliz. Posso ir ter consigo?

in O Sexo e a Cidália, "Notícias Magazine", JN 30 Set 2006

29 setembro 2006

Excerto de um livro não anunciado (339)

Não foi possível ainda encontrar uma solução geral (e suficientemente testada) para cada um destes problemas. Comprovou-se, por exemplo, que a parte da mensagem que é transmitida em primeiro lugar tem, por vezes, maior efeito (primacy effect) que as seguintes mas a verdade é que nem sempre isso acontece. Já no que se refere à eficácia da comunicação foi possível verificar que os elementos “devem ser ordenados de maneira que sejam apresentados primeiramente os que tendem a suscitar no auditório uma necessidade e depois os que tendem a fornecer informação sobre o modo de satisfazer essa necessidade” (*). Quanto à apresentação conjunta de argumentos favoráveis e argumentos contrários à tese do orador trata-se de um método que parece apresentar a dupla vantagem de reforçar, por um lado, a imparcialidade e a competência de quem fala e por outro, de “tornar o receptor mais imune em relação a ulteriores tentativas de influenciá-lo” (**). Mas ainda assim, advertem Secord e Backan (1964), “os elementos favoráveis devem ser apresentados de tal maneira que determinem a aceitação do falante e da sua mensagem antes que o receptor seja exposto a comunicações em contrário” (***).

(*) Pio Ricci Bitti e Bruna Zani (1997), A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), p. 250
(**) Ibidem, p. 251
(***) Ibidem, p. 250

28 setembro 2006

Retórica papista comparada

Falar dos outros

O que importa é que, para dar um exemplo da história, e no contexto de sensibilidades que hoje vivemos, em que nos bastam os conflitos que temos, o Papa escolheu falar dos outros e preferiu ignorar os erros da sua própria igreja, que se vão repetindo, de resto até hoje, e em nome da qual se fizeram, e ainda se fazem as guerras mais ignóbeis e injustas!

Faranaz Keshavjee, Membro da Comunidade Ismaelita
in Público, 18 Set 2006

O que é central e o que é secundário

Perguntar-se-á: mas não haveria outros teólogos que o Papa pudesse citar? Seguramente. E podemos mesmo discutir se optar por por citar a frase que originou a controvérsia - mesmo distanciando-se dela - não terá cometido um passo imprudente. Contudo a verdade é que se a nossa leitura não se ficar por essas linhas e se não as retirarmos do contexto, temos de lhes acrescentar o que o Papa explicitamente considerou como central no diálogo citado: "A frase decisiva nesta argumentação contra a conversão pela violência é: 'Agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus'". Ora se esta é a "frase central", porque se centrou toda a discussão num extracto secundário? A resposta possível é que há muito jornalismo incendiário. Ou, no mínimo, irresponsável e preguiçoso.

José Manuel Fernandes, Director do Público
in Público, 18 Set 2006

Nada faria prever

Na sua conferência de Ratisbona, o Papa sabia exactamente o que queria dizer, mas ninguém pode hoje saber como vai ser ouvido. O ruído é, pela sua natureza, impossível de prever, caótico, e nem um Papa tem a omnisciência dos caminhos do acaso. Só se ficar calado. Basta ler e perceber a integralidade do texto para ser claro que nada da sua substância faria prever que suscitaria as reacções que teve.

José Pacheco Pereira, Historiador
in Público, 21 Set 2006

O que é bom é certamente cristão

Ratzinger poderia simplesmente dizer que aquilo que é bom é certamente cristão, e que o que não é cristão (e já agora católico) é certamente de desconfiar.Seria mais fácil, embora um pouco indigno do brilhante intelecto que se diz possuir.

Rui Tavares, Historiador
in Público, 23 Set 2006

O Papa não foi feliz

A pergunta que se põe é a seguinte: atendendo à crispação actual entre muçulmanos e ocidentais, mais por motivos políticos do que religiosos, a citação que o Papa fez do imperador bizantino sobre Maomé não foi um acidente académico perigoso para a ideologia muçulmana dos nossos dias? Em meu entender, o Papa não foi feliz.

Pe Joaquim Carreira das Neves
in Expresso, 23 Set 2006

27 setembro 2006

Cai bem

Retórica citado por Pedro Correia nos "Blogues em revista" do Corta-Fitas. Algo que não se agradece mas que cai sempre muito bem.

Burrice eleitoral?


Diz Caetano Veloso que não é burro nem maluco para reeleger Lula.
Segundo as sondagens mais recentes, a intenção de voto em Lula é superior a 51%
Logo,
ou Caetano não se conhece
ou é burrice votar em Lula

26 setembro 2006

Brasil: a armadilha e o mito (Lula)

Ninguém de bom senso acreditará que o excesso de popularidade de um governo ou de um governante contribua para uma melhor governação. Mas quando Roberto Pompeu de Toledo (Revista VEJA set 2006) nos vem dizer, preto no branco, que o Brasil pode estar enredado numa armadilha que se chama Luiz Inácio Lula da Silva, chega a surpreender a facilidade com que o excesso de popularidade se transforma na mais descarada perversão democrática. Pode ler aqui o artigo completo.

Excerto de um livro não anunciado (338)

Não foi possível ainda encontrar uma solução geral (e suficientemente testada) para cada um destes problemas. Comprovou-se, por exemplo, que a parte da mensagem que é transmitida em primeiro lugar tem, por vezes, maior efeito (primacy effect) que as seguintes mas a verdade é que nem sempre isso acontece. Já no que se refere à eficácia da comunicação foi possível verificar que os elementos “devem ser ordenados de maneira que sejam apresentados primeiramente os que tendem a suscitar no auditório uma necessidade e depois os que tendem a fornecer informação sobre o modo de satisfazer essa necessidade” (*). Quanto à apresentação conjunta de argumentos favoráveis e argumentos contrários à tese do orador trata-se de um método que parece apresentar a dupla vantagem de reforçar, por um lado, a imparcialidade e a competência de quem fala e por outro, de “tornar o receptor mais imune em relação a ulteriores tentativas de influenciá-lo” (**). Mas ainda assim, advertem Secord e Backan (1964), “os elementos favoráveis devem ser apresentados de tal maneira que determinem a aceitação do falante e da sua mensagem antes que o receptor seja exposto a comunicações em contrário” (***). Estas indicações, porém, não chegam a pôr em crise o método de apresentar apenas argumentos favoráveis que mantém a sua utilidade e eficácia num grande número de situações argumentativas. Hovland (1949) aliás, há muito estabelecera a necessidade de se recorrer a ambas as formas de argumentar, em função das particulares características do respectivo auditório, depois de ter chegado experimentalmente a uma conclusão deveras interessante: que a comunicação através de argumentos contrários é mais efectiva para as pessoas que estão melhor informadas sobre a questão em apreço e que inicialmente se opõem à respectiva proposta mas o mesmo já não sucede com aqueles que pouco sabem da questão e que inicialmente estão de acordo com o que lhes é sugerido, perante os quais a comunicação exclusivamente à base de argumentos favoráveis se revela mais eficaz (****).

(*) Pio Ricci Bitti e Bruna Zani (1997), A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), p. 250
(**) Ibidem, p. 251
***) Ibidem, p. 250
(****) Cf. Richard E. Petty e John T. Cacioppo, (1996), Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, p. 74



25 setembro 2006

O valor estratégico da inferência

"o seu objectivo não me parece ser a luta contra a pobreza (o que seria digno e cristão) mas sim lutar contra a riqueza (ou seja, está-se nas tintas para os pobres)" - jcd, do Blasfemias

Veja-se como a inferência "(ou seja, está-se nas tintas para os pobres)" mesmo longe de se encontrar provada já é retoricamente provocante e poderosa. São assim mesmo, certas inferências e afirmações: possíveis, legítimas, mas nunca tão certas como se apresentam. Valem, não tanto pela segurança assertiva que exibem, mas pelo uso estratégico a que se oferecem. Que é o de mobilizarem (ia a dizer, espicaçarem) a capacidade argumentativa do interlocutor. Há aqui alguma (muita) arte retórica.

Excerto de um livro não anunciado (337)

Verificou-se ainda uma clara superioridade persuasiva da linguagem concreta sobre a linguagem abstracta, na medida em que a primeira, ao permitir uma relação directa e observável (ainda que imaginariamente) facilita a actividade de elaboração e compreensão da mensagem. No que mais directamente diz respeito à estrutura e ordem da comunicação, foram também estudados alguns dos principais problemas que se colocam a todo o orador: como ordenar os diferentes elementos (ou partes) da mensagem? Que papel poderá desempenhar a apresentação conjunta de argumentos favoráveis e argumentos contrários, no contexto persuasivo? Deve o orador retirar e anunciar explicitamente as conclusões ou, pelo contrário, deixar essa tarefa ao auditório?

23 setembro 2006

Preciosidade automobilística


Desde anteontem (mas só até ao final do dia de hoje) pode-se mirar e remirar esta preciosidade automobilística que é um dos dois magníficos "Riley" patentes ao público, na Praça El Corte Inglés *, em V. N. Gaia. O outro
está aqui. São carros que envelhecem com o mesmo ar de importância com que um dia nasceram. A já enfraquecida mecânica não os impede de circularem pelas suas próprias rodas e, em muitos casos, chamam um figo aos "cansativos" circuitos de manutenção. Mas, sobretudo, são carros onde o incrível bom gosto de outras épocas, desafia o mais exigente olhar contemporâneo. Excelente exposição.

* Ainda não conhecia esta designação mas é a que consta dos prospectos da exposição distribuídos no interior destes grandes armazéns.

Retórica e Ensaísmo (2)

Carlos Scolari, do digitalismo.com, teve a gentileza de responder aqui, ao meu post Retórica e Ensaísmo (13 Set). Lisonjeado, cumpre-me aditar o seguinte:

1) Como o próprio título do post deixava claro, a minha principal intenção era a de comentar a relação entre retórica e ensaísmo e não tanto, a de comparar “ensaio” com “actividade empírica” (seja lá o que isso for).

2) Aliás, esta última comparação, nos termos em que surgiu, faz muito pouco sentido, desde logo, porque o “ensaio” tem a ver com a apresentação dos resultados da investigação que forçosamente o antecede(u) – é um dizer – enquanto a “actividade empírica” se traduz na investigação propriamente dita – é um fazer.

3) Acresce que o ensaísta não tem que fatalmente prescindir de um “trabalho de campo” mas, sempre que tal aconteça, a ideia prévia de que opta por um registo de pura ficção, por “golpes de literatura o especulaciones” não tem a menor consistência teórica.

4) O ensaio pode ser literário, filosófico ou cientifico, mas em qualquer caso, o seu autor deverá sempre escolher a metodologia de investigação e a estratégia expositiva mais adequadas ao objecto de estudo e às condições em que o mesmo se desenvolve(u).

5) Uns objectos de estudo (e concretas condições de investigação) prestam-se mais à metodologia empírica, outros mais à reflexão, à formulação crítica e hipotética, daí não decorrendo, por si só, qualquer reforço ou quebra do respectivo estatuto científico.

6) Em todo o caso, chegado o momento do investigador apresentar os resultados aos seus pares ou, quando se justifique, também ao público em geral, mais do que intitular o respectivo texto de ensaio, paper ou artigo científico, interessa é que seja claro e argumentativamente convincente na identificação do problema, na metódica exposição do estudo realizado, na formulação de hipóteses, na apresentação das conclusões. E isso, como sabemos, depende bem mais do investigador do que do género narrativo escolhido.

7) Refiro-me ao ensaio, mais do que ao ensaísmo, só porque este último recebe muitas vezes uma conotação irónica e depreciativa que aqui não tem lugar, tanto mais que o “ísmo” do ensaísmo, não é mais “ísmo” do que qualquer outro, a começar pelo “ísmo” do empirismo.

8) Concretizando agora a minha afirmação inicial (ponto 1), esclareço que o preconceito a que me quis referir não tem a ver com o “planteo” de Carlos Scolari mas, mais exactamente, com a ideia de Roberto Follari (citado por Carlos) de que a “literaturización de las ciencias sociales” se caracteriza pela “proliferación generalizada de la retórica por sobre el análisis empírico”, o que deixa no ar uma ultrapassada, errada e inadmissível concepção de retórica. Tão só.

9) Classificar, porém, o ensaio científico como meros “golpes de literatura o especulaciones” - independentemente dos métodos de investigação em que o dito se apoia e do rigor argumentativo que o caracterize - pode até despertar a simpatia que em geral se tem pelas ideias feitas (ex: a retórica não passa de um discurso estéril e encantatório) mas indicia igualmente uma visão tão reducionista de ciência que põe em causa a própria epistemologia da comunicação.

10) Outra coisa é saber se será mais vantajoso para o progresso global do campo científico da comunicação, aumentar a percentagem de “trabalhos de campo”. Ou se estes serão sempre a melhor forma de investigação para a compreensão científica de todos os aspectos da comunicação. Poderíamos interrogarmo-nos também se os estudos de comunicação são a continuação da filosofia por outros meios (como pergunta o Carlos) ou se tais estudos são antes a continuação da matemática, da física, da biologia, da engenharia ou da sociologia por outros meios (como poderia perguntar eu). Podemos, finalmente, perguntar ambos se o "ensaio" está necessariamente correlacionado com a "má" investigação e o "trabalho de campo" com a "boa" investigação. Como se vê, questões não nos faltam. O que nos falta, por vezes, é resistir ao afunilamento epistemológico nesta ou naquela área de conhecimento, desta ou daquela metodologia.


21 setembro 2006

A Lua cada vez mais perto

Bloco de Esquerda defende fins-de-semana de três dias.

Público, 10 Set 2006

Excerto de um livro não anunciado (336)

A questão dos estilos poderem aumentar (ou reduzir) a persuasividade de um discurso foi igualmente submetida ao controlo de uma série de experiências cujos resultados parecem fazer luz sobre o que pode ser uma mensagem argumentativa eficaz. Referimo-nos ao facto de ter sido possível relacionar certas figuras de estilo e modos de expressão verbal com os particulares efeitos retóricos ou persuasivos que a sua utilização discursiva tende a provocar em qualquer auditório. Verificou-se, por exemplo, que as frases curtas, perguntas retóricas, a paráfrase e a repetição, produzem força e impacto directo no receptor. A ironia, o humorismo e até certo tipo de propositados exageros, atraem a atenção das pessoas e conferem à comunicação mais vivacidade. A metáfora, por sua vez, contribui para uma maior intensidade do discurso, especialmente quando a concluir este último, por produzir “efeitos diferentes dos da expressão literal correspondente – e mais eficazes que eles –, influenciando os juízos sobre a credibilidade da fonte e especificamente sobre a sua competência, a sua fidedignidade e a sua objectividade” (*)

(*) Bowers e Osborn [1966], cit. in ibidem

É o máximo

Passa-se neste país:

O toxicodependente tem direito a seringas de borla. O diabético (insulinodependente) é obrigado a pagá-las...

17 setembro 2006

"Comprar" o árbitro

[O pior reflexo do Apito Dourado é] a sensação de que debaixo do Portugal formal, sério e democrático continua a existir impunemente um outro Portugal sórdido, velhaco e corrupto. Em paralelo com a vida normal da maioria dos cidadãos zelosos e cumpridores, subsistem hábitos enraizados nos quais não há vestígios de decência ou de respeito pelos outros e pela lei.

Manuel Carvalho
in “O Submundo do futebol”, Público, 15 Setembro 2006


Concordaria totalmente com o que acima diz Manuel de Carvalho se estivesse tão certo de que os cidadãos zelosos e cumpridores ainda são uma maioria neste país. Mas não estou. Além disso, falta saber se os que vão cumprindo o fazem por imperativo ético ou somente por temor, falta de rasgo ou impossibilidade prática. Num país onde, como é sabido, há longos anos impera a cultura da "cunha" e da "troca de favores", temo até que estejamos quase todos mais perto de um pequeno "ilícito" do que do escrupuloso e formal cumprimento da lei.

Assim como as ervas daninhas só crescem em terreno propício, também no nosso futebol, não seria tão fácil "comprar um árbitro" se a própria ideia de "comprar um árbitro" não fosse já ela mesmo, uma ideia corrente, normal e perfeitamente aceitável no mundo da bola. Quando me refiro ao mundo da bola estou a pensar em todo o tipo de dirigentes e simples adeptos, do cidadão mais rude ao mais refinado, do empregado de escritório ao grande empresário, do dirigente político-partidário aos nossos mais altos representantes.

Todos, quase todos, ou pelo menos, muitos dos que gostam de futebol, como que se submetem a uma lavagem ao cérebro quando entram num estádio para aplaudir o seu clube de eleição. É um momento mágico, de verdadeiro transformismo. O cidadão imparcial e exemplar passa a ver só com um olho e a comportar-se como culturalmente sub-desenvolvido. Os grandes princípios e valores que enformam a sua vida profissional, social e familiar, parecem evaporar-se. Que o seu clube ganhe com um golo marcado com a mão, ou devido a qualquer outro erro do árbitro, não interessa. O que interessa é ganhar a todo o custo.

Nessas alturas, a axiologia pessoal amolece e adapta-se, sem remorsos, à paixão clubista do seu portador. Vale tudo para chegar à vitória, se possível, antes do próprio jogo. E é aí que entra ou pode entrar o árbitro, o nomeado ou aquele que com alguma "arte" e cúmplice influência, ainda se vai a tempo de escolher. Quanto custa? Já não interessa. O mal está feito e não será o pagamento em dinheiro ou espécie, nem o seu montante, que o vai agravar ou reduzir. O dirigente faz o trabalho "sujo" enquanto o adepto, exulta e fecha os olhos, para ver melhor (e apenas) a corrupção dos outros clubes.

Todos sabemos que foi sempre mais ou menos assim. Faz parte de uma distorcida cultura desportiva que é a nossa e que chegou ao estado a que chegou. Por isso mesmo, mais do que protestar ou mostrar publicamente uma cândida surpresa pelos fortes indícios de corrupção, interessa agora contribuir para a formação de um critério de maior exigência ética na competição desportiva, particularmente, no chamado futebol profissional. O que poderia muito bem começar pelos media, nomeadamente, nos seus espaços de debate sobre o desporto-rei. Em qualquer dos casos, tomem-se as medidas que se impõem, faça-se justiça. Mas não se negligencie a promoção de uma sã cultura desportiva, que é o que falta.

16 setembro 2006

Não convence mas consola

Festa de anos. A minha foi ontem. No meu caso, como o "Expensive Soul" diz numa das suas letras, "é sempre assim": um dia sem dramas nem euforias. Envelhecer é tão natural como estar vivo. Mas daí a transformar o dia de aniversário numa ocasião festiva, mais devagar. A família e os mais próximos é que não querem saber das minhas indagações metafísicas e "exigem" celebração especial com abrangente repasto, presentes e... festa. Lá me vi, por isso, uma vez mais, no centro das atenções (era "o meu dia", como não paravam de me lembrar), naturalmente feliz por ter quem tinha à minha volta, mas, aqui entre nós, sem nunca me render inteiramente à motivação festiva do aniversário. Do meu, ou do de quem quer que seja, bem entendido. Que lógica tem festejar o envelhecimento? - perguntava cá para os meus botões.

Até que deparei no Quelque Chose com este pensamento do (para mim) ilustre desconhecido Mário Sérgio Cortella:

É absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando...

E não pude deixar de concordar com meraluz :

Não convence, mas consola.

15 setembro 2006

Será possível um jornalismo sem persuasão?

DOUG McGILL, repórter e professor de Jornalismo, afirma no seu LOCAL MAN:

A.
journalism needs the reporting of facts to be called journalism.

B.

A report is fundamentally distinct from both 1) an entertainment, which uses fictional techniques to attract audience, and which doesn’t limit its subject to present conditions of society; and 2) editorials and opinions, which aim not to report current facts but rather to persuade the audience to adopt certain beliefs and points of view.

Perfeitamente de acordo com o que é dito em A: não há jornalismo sem factos. O que resta saber é se nos dias de hoje ainda seria possível um jornalismo sem opinião. Creio que não. Mas esse é um bom tópico para outra ocasião. Por agora apenas assinalo como muito pacífica a distinção B 1) mas já não a de B 2) que, implicitamente, nos remete para a insustentável crença a que já aqui me referi e que é a de que os factos estariam para a objectividade assim como as opiniões estariam para a subjectividade.

Ora quem tenha o hábito de ler/escutar/ver a cada dia vários órgãos de informação pode com alguma frequência constatar que os ditos chegam a divergir mais na descrição e contextualização dos mesmos factos do que quanto às ideias-base das respectivas colunas de opinião. É aliás no relato dos factos (cobertura de guerras, de acidentes de viação, de crimes, etc.) que a persuasão mais assiduamente é convocada, seja por uma apresentação feérica, repetitiva ou caleidoscópica, seja pelo recurso a fotografias, sonoridades e vídeos chocantes, seja pela recolha nua e crua de depoimentos presenciais, para já não falar de "interessadas" selecções dos factos e obscuras opções editoriais.

Mas mais importante do que situar a persuasão no relato dos factos, nos editoriais ou na opinião, seria atender àquilo de que querem persuadir-nos e ao grau de transparência com que intentam fazê-lo. É até bem possível que, do ponto de vista do leitor, o perigo venha muito mais da persuasão oculta na mais seca descrição dos factos, do que da manifesta intenção de persuadir da opinião. Claro que isto não passa de mais uma opinião. Mas o que é facto, é que só uma opinião pode substituir outra.


14 setembro 2006

E leva também este DVD

Na semana passada o Expresso surpreendeu com as ofertas de DVD's. A iniciativa terá sido tão bem recebida pelos leitores que o jornal anunciou já o aumento para 200.000 DVD's, perdão, exemplares, na próxima edição. A coisa cinge-se, por agora, aos DVD's mas não tarda, por certo, que chegue à chacoteada oferta de electrodomésticos, a que, em tempos, recorreu um conhecido político da nossa praça. O último a rir...

13 setembro 2006

Retórica e Ensaísmo

Carlos Scolari e o meu amigo Hugo Pardo, do digitalismo.com, iniciaram uma série de posts dedicados à Epistemologia da Comunicação, onde tudo leva a crer que o chamado ensaísmo comunicacional virá a ser "imolado". É, pelo menos, o que sugere o modo como Scolari parece "colar-se", desde já, às citações que nos traz:

El argentino Roberto Follari (...) va mucho más allá y habla de una “literaturización de las ciencias sociales” caracterizada por la “proliferación generalizada de la retórica por sobre el análisis empírico, y de la libre reflexión por sobre las constricciones y exigencias de las teorías científicas”.

Orozo Gómez pega duro: según este investigador mexicano los estudios latinoamericanos adolecen de una falta de base empírica que, en términos de producción textual, deriva en lo que él denomina "ensayismo sustituyente". Al no realizarse suficientes investigaciones de campo, los papers se terminan llenando con literatura.

Si bien el ensayo es un género respetable (desde Freud hasta Barthes lo usaron con maestría para difundir sus teorías), cuando se convierte en una forma hegemónica -según [Wilson] Gomes las tesis, disertaciones, papers y artículos han sido invadidos por la uniformidad del estilo ensayístico- algo no está funcionando.

É um tema (e um temor) particularmente interessante este da "proliferación generalizada de la retórica por sobre el análisis empírico". Funda-se o preconceito - porque de tal se trata - em dois equívocos: o primeiro, tem a ver com a falsa ideia de que o ensaio se caracteriza por uma liberdade especulativa sem freio; o segundo, consiste em tomar o "trabalho de campo" como método e critério de qualidade da própria investigação. Como que o ensaio alguma vez pudesse fugir ao público e racional controlo dos seus destinatários. Como que a "análise empírica" não exigisse sempre uma retórica da cientificidade. Carlos Scolari promete uns "aportes personales" lá mais para diante. Fico curioso e vou acompanhar. Por agora, limito-me a constatar que a crítica do ensaismo, ao ensaismo, afinal, teve que recorrer...

12 setembro 2006

A retórica da fraude

O secretário de Estado-adjunto e da Administração Local é formado em Direi­to, mas não se coíbe de ameaçar várias autarquias com as consequências de uma lei que ainda não existe. Eduardo Cabrita fala da "nova Lei das Finanças Lo­cais", quando deveria falar da futura Lei e diz que essa Lei proíbe, quando de­veria dizer que vai proibir. Não é coisa pouca, é tudo. E é mais mais ainda porque a fa­mosa Lei de que fala Eduardo Cabrita pode nem sequer vir a existir. É a lei da vida para qualquer projecto ou proposta de lei. Se o Parlamento não quiser que passe a lei, não passa. O secretário de Estado sabe que é assim, mas como o que quer é apenas atacar autarquias do PSD já toma como certo o incerto da política. Alega o governante, e pode ficar a discutir isso com outros juristas que ao povo pouco importa, que tecnicamente pode falar-se "em fraude à nova lei". A Associação Nacional de Municípios diz que a antecipação de receitas ou venda de créditos futuros não é ilegal à luz da actual lei e isto sim, é tudo. É à lei que os autarcas devem obediência e não ao secretário de Estado que os tute­la. Nem sequer é preciso saber Direito.

Paulo Baldaia, JN, 12 Setembro 2006

Não sei se este secretário de Estado quis ou não atacar (apenas) autarquias do PSD. Mas que exagerou, exagerou. Compreende-se (eu compreendo) que lhe desagrade ver alguns autarcas recorrerem a um mecanismo de gestão que o governo se prepara para impedir por lei. Mas vir, antes disso, a público, lançar a populista atoarda de um crime impossível, não contribui em nada para a sua credibilidade. Corre até o risco de vir a ser lembrado por isso. A retórica tem este senão: pode-se voltar contra si mesma. Foi o caso.

11 setembro 2006

Na Covilhã

09 setembro 2006

O dito silêncio

O nosso mui erudito Paulo Cunha Porto, de viagem pela antiga Atenas, trouxe-nos uma lembrança deste saboroso episódio em que Zenão, à pergunta sobre o que dele deveria ser contado a estrangeiro Soberano, terá respondido: «Nada, a não ser que encontraste um homem que sabia calar-se».

O dito, que reconheça-se, é digno de figurar em qualquer manual de retórica ou de pragmática da comunicação, terá servido a Zenão para comunicar muito mais do que literalmente disse. É óbvio que o filósofo não quer apenas dar a conhecer a sua particular aptidão ou saber (o saber calar-se). Quererá, sobretudo, distinguir-se da “tagarelice” dos restantes sábios, expressar a opinião de que nada haveria a dizer (o que em muito difere do mero saber calar-se), ou exibir alguma (porventura falsa) humildade. Pode até pretender, muito simplesmente, afrontar o Soberano. Só o exacto conhecimento do pano de fundo contextual nos permitiria aproximar da sua real intenção.

Seja com for – e como o Paulo muito bem desde logo anuncia - trata-se aqui de um silêncio infringido, que, nessa medida, se reconduz a falso silêncio. Porque o silêncio não se anuncia. E o calar-se, todo o calar, é sempre antecedido de alguma fala. O silêncio de Zenão é, por isso, um silêncio depois da fala e não antes. Um silêncio falado ou mal dito. Quando o verdadeiro silêncio, é mudo e mudo tudo diz, nada falando. Saber calar-se, é então outra coisa: é reconhecer o excesso de verbo. E dizê-lo? Ah... dizê-lo é já não querer o que se quis.

07 setembro 2006

Excerto de um livro não anunciado (335)

Mas os factores mais influentes na modificação das atitudes têm sido estudados igualmente ao nível da mensagem a transmitir, com particular ênfase nas caracaterísticas (racionais ou emotivas) dos conteúdos, na configuração estilística e nos aspectos directamente ligados à estrutura e ordem da comunicação. No que respeita à emotividade, por exemplo, a crença generalizada de que os discursos emotivos são mais eficazes do que os discursos lógicos ou racionais para modificar as atitudes, fez com que as mensagens ansiógenas, que “assustam” ou “angustiam” o indivíduo mediante explicitação das consequências desagradáveis (no caso de não se seguir os conselhos do sujeito comunicante), passassem a ser associadas a uma maior probabilidade de modificar a atitude. Com efeito, um pai que pretende motivar o seu filho para prosseguir os estudos pode ter mais êxito se lhe chamar a atenção para a dura vida que o esperaria se não concluisse o curso, tal como um vendedor de seguros experimentado não hesitará em fazer sentir ao cliente os potenciais riscos (ex: o perigo de um incêndio lhe devastar a habitação) a que ele se sujeitaria, se não contratasse o seguro que lhe é proposto. Em ambos os casos, a acção persuasiva centra-se mais no anúncio e dramatização das desvantagens que se seguiriam à eventual recusa da proposta do que na particular valia ou acerto da mesma. Algumas experiências vieram mostrar, contudo, que nem sempre sucede assim e que, em última análise, tudo depende do grau de ansiedade produzido: “as mensagens fortemente ansiógenas tendem para a ineficácia, pois fazem surgir suspeitas sobre as verdadeiras intenções da fonte, de tal modo que os sujeitos recorram a mecanismos de defesa, como a negação, para ignorar ou pelo menos atenuar a ameaça, ao passo que uma mensagem fracamente ansiógena produz um maior grau de modificação” (*).

(*) Janis e Feshbach cit. in Pio Ricci Bitti e Bruna Zani (1997), A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), p. 249

06 setembro 2006

Adeus tristeza, até depois

Desta minha "cusca" janela, acabo de detectar uma significativa marcha-manifestação do Bloco de Esquerda (são mais de 30 pessoas), descendo a Av. da Republica (Gaia), em direcção sabe-se lá aonde. Além do "revolucionário" megafone com palavras de ordem disfarçadas de cantiga "rap", sonoro bombo e não menos ruidosa pandeireta dão um toque festivo ao evento. Olho para a cara dos "marchantes" e parecem felizes. Quase todos sorriem, alguns dançam de braços bem levantados. É certo que Francisco Louçã vai muito isolado e absorto, mas mais atrás, pode ver-se Daniel Oliveira a falar pelos cotovelos com o companheiro do lado. Confesso que levei algum tempo a perceber que se tratava, afinal, de algo muito sério e triste: um protesto contra os baixos salários.

Demorou

"Aprendi durante as últimas três décadas que em política não há amizades, mas interesses permanentes"

Alcides Sakala, Público, 04 Setembro 2006

05 setembro 2006

O jornalismo dos bons exemplos

Como já aqui dei o devido destaque, na edição da revista Única (Expresso) da primeira semana de Agosto, a jornalista Luisa Meireles prevenia o leitor de que estava a ler uma entrevista por escrito. Dias depois, na Visão, Rui Araújo (actual provedor do Público) assinava uma entrevista a Noam Chomsky, com menção expressa de que fora efectuada por correio electrónico. Ontem, Adelino Gomes, no Público, referia-se expressamente aos "excertos de uma entrevista, por email, com o autor" (Alcides Sakala, dirigente da UNITA). E como um distinto jornalista me assegura (em correspondência privada), há mais casos. Mais bons exemplos, direi.

02 setembro 2006

Excerto de um livro não anunciado (334)

A explicação deste resultado assenta na teoria dos dois factores do condicionamento verbal formulada por Insko e Cialdini (*) à luz da qual a recompensa verbal faz duas coisas: primeiro, fornece ao sujeito informação sobre a atitude do entrevistador e, segundo, diz-lhe quais as respostas que o entrevistador aprova ou aprecia e, consequentemente, quando o aprova ou aprecia a ele próprio. É a relação criada por este segundo processo que proporciona ao sujeito um maior incentivo para emitir a resposta recompensável e com a qual obtém consequências positivas (a implícita aprovação por uma outra pessoa). Como se pode ver, está aqui bem presente a ideia-base subjacente ao condicionamento skinneriano e que é a de que as pessoas tendem a agir para maximizar as consequências positivas (recompensas) e minimizar as consequências negativas (punições) do seu comportamento.

(*) Cit. in Richard E. Petty e John T. Cacioppo, (1996), Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, p. 49

01 setembro 2006

Boletim de chegada

1) Cheguei como novo, o que não é lá muito bom sinal. Só chega como novo quem está velho.

2) É sempre assim. Numa semana de férias ando mais a pé do que no resto do ano. E o resultado está à vista: hoje fiquei em casa, a descansar das férias.

3) Comidinha a repetir: "chopitos" de fritura e "paella" de marisco regada por duas "jarras" de cerveja. Fatia de melão gelado. Um niquinho de café em chávena quente. O céu existe e fica mais próximo.

4) Praia de mar, banho de sol, jacuzzi, sauna e piscina. Livros, jornais e revistas. Diversão, música ao vivo e danças de salão. O mundo não se esqueceu de mim. Claro que não.