27 julho 2003

Cartas diferentes

É sempre muito agradável receber correio. Mas também, até certo ponto, trivial. O que não me parece nada trivial é este prazer acrescentado que experimento quando leio cartas (ou emails) de pessoas que me escrevem pela primeira vez. É uma sensação diferente, que não sendo fácil definir, invariavelmente me remete para uma pequena mas nem por isso menos ambiciosa aventura do pensamento. Sobretudo, porque para além da mensagem explícita que em si mesma se oferece a uma leitura imediata, a primeira carta é sempre portadora de uma particular intenção ou motivo. Logo, também de um significado supra-textual que procuro, a todo o custo, desvendar. Sim, eu sei o que a carta diz. Diz, muito provavelmente, o que o seu autor quis dizer. Mas isso todas as cartas dizem. O que verdadeiramente me prende numa primeira carta é aquilo que ela não diz e que, apesar de tudo, pode ter ficado dito. E, nesse sentido - também nesse sentido - a primeira carta é... irrepetí­vel. Ontem mesmo citei aqui Fernando Pessoa: "vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la, porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez". Será que o nosso grande poeta tem mais razão do que se imagina?