24 maio 2011

Tópicos da retórica socrática


"O que o país precisa é de um Governo com uma liderança forte e preparada. O país dispensa as aventuras e os radicalismos ideológicos" ( * )
José Sócrates
(Na TV com Passos Coelho)

Repare-se na eficaz fórmula retórica a que Sócrates aqui recorre:
O que o país precisa é de X. O país dispensa Y.
Esta fórmula é enquadrável na famosa teoria aristotélica dos lugares (topicos) e representa um verdadeiro "lugar de necessidade", já que pressupõe a superioridade do que é necessário (ou preciso) sobre o que se dispensa. Ora os lugares retóricos, segundo Perelman, representaram e continuam a representar importante papel como ponto de partida das argumentações. Sócrates sabe disso como poucos. Neste caso, o lugar retórico a que deitou mão é, digamos assim, uma forma vazia, na medida em que lhe permite substituir tanto a varíavel X como a variável Y por aquilo que mais lhe interessa dizer. Foi o que fez, com a mestria do costume: partindo da persuasiva ideia geral de que o que é preciso é melhor do que o que se dispensa (seja lá o que for), conota o seu principal adversário eleitoral com a pior das desqualificações políticas: a aventura e o radicalismo. Que a afirmação seja verdadeira ou falsa e a desqualificação justa ou injusta, isso agora não interessa nada. O debate já foi.

( * ) Legenda do implícito:
X - "um líder forte e preparado como eu"
Y - "as aventuras e o radicalismo do meu adversário"