Como se decide
No seu cristovao-de-moura, Paulo Varela Gomes deu-nos ontem a conhecer uma visão muito pessoal sobre o fenómeno do terrorismo. Pacheco Pereira reagiu, abrindo um debate que muito promete e que irei seguir com toda a atenção. O nível dos dois interlocutores, a complexidade do tema e o alcance planetário que este já atingiu, assim o exigem.
Mas o que mais particularmente aqui cabe analisar é o modo como PVG descreve o processo de decisão:
(...) todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide. Quando se decide, abdica-se de continuar a pensar. Uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação. Deste modo, ao decidir, erra-se – sempre. Não há, por definição, decisões acertadas. Quem quer à viva força acertar, acaba por não decidir nunca porque é impossível ter a certeza de que se está a decidir bem.(...)
Veja-se, antes de mais, como nesta descrição tudo parece corresponder ao que realmente acontece no momento de tomar qualquer decisão. Nisso consiste a arte de dizer, que, pela amostra, PVG perfeitamente domina. O que vai sendo dito, é dito de uma tal maneira que cada nova afirmação surge ainda mais persuasiva. Cria-se, assim, no leitor uma atmosfera de facilidade, um registo comódo e agradável, que só seriam de louvar, não se desse o caso, como frequentemente se dá, de poderem produzir indesejáveis efeitos secundários. E o pior de todos, é, seguramente, o de ocultar a problematicidade inerente a todo o discurso: reduzem-se as alternativas, afunila-se o leque de opções. Aquilo que é afirmado parece então tão certo (quando não único) que, se abrandarmos a nossa atenção, corremos o risco de aderir acriticamente ao que se lê.
Quero com isto dizer que PVG fez um uso abusivo da linguagem, com ele tentando iludir ou manipular os que o lêem? De maneira nenhuma. Pelo contrário. A maneira como argumenta em favor do "salto escuro" de toda a decisão, da inevitabilidade do errar sempre que se decide, de que não há por definição decisões acertadas ou que quem quiser à viva força acertar acabará por nada decidir, só favorece o leitor, no que toca ao grau de convicção com que este formará a sua própria opinião no final da respectiva leitura. E por uma razão muito simples. É que não ficam agora quaisquer dúvidas de que PVG comunicou as suas ideias de forma altamente persuasiva, "potenciando-as", em termos comunicativos. Logo, se ainda assim, não se revelam totalmente convincentes é porque, muito provavelmente, não serão tão boas ou tão certas como PVG as julga. E penso que, de facto, não o são. Vou dizer porquê.
Quando se fala em decisão, fala-se, naturalmente, da melhor decisão possível. O que nos remete para a concreticidade das situações. E para os seus limites, também: de lugar, de tempo, de informação, etc. Mas isso nao significa que "uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação". Conforme disponho ou não de tempo suficiente e das restantes condições operatórias, poderei considerar mais ou menos aspectos da realidade (e da sua complexidade). Mas não estou fatalmente impedido de chegar à melhor decisão possivel. Também não se pode dizer que ao decidir erramos sempre. Longe disso. Erramos apenas... quando erramos. Naturalmente. Mas se ao sair de casa peguei no chapéu-de-chuva porque estava a chover, tomei uma decisão certa. Sem a menor dúvida. Porque há mesmo decisões certas. Também não se pode, seriamente, estar contra quem procura acertar sempre. Até porque procurar acertar sempre, não quer dizer que só se deve decidir quando se esteja absolutamente certo de que é a melhor decisão. Numa palavra, não se pode confundir indecisão com incerteza. Uma pessoa indecisa pode até ter mais certeza do que uma outra que seja mais rápida a decidir. Não obstante, não decide ou leva mais tempo a fazê-lo. Já quanto à afirmação de PVG de que "quando se decide, abdica-se de continuar a pensar" não posso estar mais de acordo, principalmente se com isso se pretende referir a qualquer destas duas situações:
1a.
Quando se escolhe um entre vários caminhos possíveis, continuar a pensar nas opções já rejeitadas seria enfraquecer a "força" da própria decisão.
2ª.
Quando elegemos uma determinada opção (de que não se tem a certeza que seja a melhor) estamos, automaticamente, a rejeitar todas as outras opções, entre as quais pode estar alguma que se pudesse revelar mais adequada.
Não estaria de acordo, é claro, se a interpretação tivesse que ir no sentido de que já não se pensa depois de decidir. Porque, como é obvio, não se pensa menos quando se decide nem depois de se decidir. Pensa-se é em coisas diferentes.
A questão das decisões serem ou não "um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção", ficará para outro post. Não quero terminar, porém, sem fazer uma chamada de atenção que me parece eticamente obrigatória: é que a descrição de PVG foi por mim analisada fora do contexto (do seu post), ou seja, apreciei-a apenas do ponto de vista da sua (sempre) possível generalização. Isso, justifica, por si só, que estes meus apontamentos se traduzam numa mera proposta de recepção. E não tanto numa crítica, a que, seguramente, faltou, não só o engenho, mas também a intenção.
Mas o que mais particularmente aqui cabe analisar é o modo como PVG descreve o processo de decisão:
(...) todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide. Quando se decide, abdica-se de continuar a pensar. Uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação. Deste modo, ao decidir, erra-se – sempre. Não há, por definição, decisões acertadas. Quem quer à viva força acertar, acaba por não decidir nunca porque é impossível ter a certeza de que se está a decidir bem.(...)
Veja-se, antes de mais, como nesta descrição tudo parece corresponder ao que realmente acontece no momento de tomar qualquer decisão. Nisso consiste a arte de dizer, que, pela amostra, PVG perfeitamente domina. O que vai sendo dito, é dito de uma tal maneira que cada nova afirmação surge ainda mais persuasiva. Cria-se, assim, no leitor uma atmosfera de facilidade, um registo comódo e agradável, que só seriam de louvar, não se desse o caso, como frequentemente se dá, de poderem produzir indesejáveis efeitos secundários. E o pior de todos, é, seguramente, o de ocultar a problematicidade inerente a todo o discurso: reduzem-se as alternativas, afunila-se o leque de opções. Aquilo que é afirmado parece então tão certo (quando não único) que, se abrandarmos a nossa atenção, corremos o risco de aderir acriticamente ao que se lê.
Quero com isto dizer que PVG fez um uso abusivo da linguagem, com ele tentando iludir ou manipular os que o lêem? De maneira nenhuma. Pelo contrário. A maneira como argumenta em favor do "salto escuro" de toda a decisão, da inevitabilidade do errar sempre que se decide, de que não há por definição decisões acertadas ou que quem quiser à viva força acertar acabará por nada decidir, só favorece o leitor, no que toca ao grau de convicção com que este formará a sua própria opinião no final da respectiva leitura. E por uma razão muito simples. É que não ficam agora quaisquer dúvidas de que PVG comunicou as suas ideias de forma altamente persuasiva, "potenciando-as", em termos comunicativos. Logo, se ainda assim, não se revelam totalmente convincentes é porque, muito provavelmente, não serão tão boas ou tão certas como PVG as julga. E penso que, de facto, não o são. Vou dizer porquê.
Quando se fala em decisão, fala-se, naturalmente, da melhor decisão possível. O que nos remete para a concreticidade das situações. E para os seus limites, também: de lugar, de tempo, de informação, etc. Mas isso nao significa que "uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação". Conforme disponho ou não de tempo suficiente e das restantes condições operatórias, poderei considerar mais ou menos aspectos da realidade (e da sua complexidade). Mas não estou fatalmente impedido de chegar à melhor decisão possivel. Também não se pode dizer que ao decidir erramos sempre. Longe disso. Erramos apenas... quando erramos. Naturalmente. Mas se ao sair de casa peguei no chapéu-de-chuva porque estava a chover, tomei uma decisão certa. Sem a menor dúvida. Porque há mesmo decisões certas. Também não se pode, seriamente, estar contra quem procura acertar sempre. Até porque procurar acertar sempre, não quer dizer que só se deve decidir quando se esteja absolutamente certo de que é a melhor decisão. Numa palavra, não se pode confundir indecisão com incerteza. Uma pessoa indecisa pode até ter mais certeza do que uma outra que seja mais rápida a decidir. Não obstante, não decide ou leva mais tempo a fazê-lo. Já quanto à afirmação de PVG de que "quando se decide, abdica-se de continuar a pensar" não posso estar mais de acordo, principalmente se com isso se pretende referir a qualquer destas duas situações:
1a.
Quando se escolhe um entre vários caminhos possíveis, continuar a pensar nas opções já rejeitadas seria enfraquecer a "força" da própria decisão.
2ª.
Quando elegemos uma determinada opção (de que não se tem a certeza que seja a melhor) estamos, automaticamente, a rejeitar todas as outras opções, entre as quais pode estar alguma que se pudesse revelar mais adequada.
Não estaria de acordo, é claro, se a interpretação tivesse que ir no sentido de que já não se pensa depois de decidir. Porque, como é obvio, não se pensa menos quando se decide nem depois de se decidir. Pensa-se é em coisas diferentes.
A questão das decisões serem ou não "um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção", ficará para outro post. Não quero terminar, porém, sem fazer uma chamada de atenção que me parece eticamente obrigatória: é que a descrição de PVG foi por mim analisada fora do contexto (do seu post), ou seja, apreciei-a apenas do ponto de vista da sua (sempre) possível generalização. Isso, justifica, por si só, que estes meus apontamentos se traduzam numa mera proposta de recepção. E não tanto numa crítica, a que, seguramente, faltou, não só o engenho, mas também a intenção.
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