Reflexos de retórica (2)
A "PECULIAR VIOLÊNCIA" DA RETÓRICA
A palavra violência presta-se, também no contexto da retórica, a numerosos equívocos. Quero, por exemplo, perceber o que poderia ser a aludida "violência peculiar da retórica" e vejo-me em nítidas dificuldades. Sim, o que será este tipo de violência? O recurso às armas ou à força física para impor uma certa opinião ou verdade? A utilização de um discurso cheio de truques ou preconcebidas omissões com a deliberada intenção de enganar? A exploração da boa fé afectivo-emocional ou de eventual fragilidade psicológica para forçar a capitulação perante um inconfessado desejo ou interesse?
Não. Não pode ser a este tipo de violência que se quer aludir quando se aponta o dedo à "violência da retórica". Por uma razão simples: nenhum desses três procedimentos tem a ver seja o que for com uma actualizada concepção de retórica. Não há nem poderia haver algum autor retórico que os preconize. Justamente porque violam alguns dos mais fundamentais princípios da retórica contemporânea: o regime de liberdade, o confronto de opiniões, a alternância da palavra, a ética da discutibilidade.
Resta a hipótese da violência puramente discursiva. Mas o problema é que reclamar dessa violência será reclamar, afinal, do próprio dizer, da fala e da escrita. Porque da retórica se diga o que Roland Barthes afirma da crítica: como poderia ela ser "interrogativa, optativa ou dubitativa, sem má fé, se ela é escrita e se escrever é precisamente deparar com o risco apofântico, a alternativa inelutável do verdadeiro/falso?"* Analogamente, veja-se também como Michel Meyer tão claramente sustenta que "censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se como um responder, como resposta, tal como está nas nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não (...) enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhe propõem, muitas vezes em função de interesses próprios" **
Pergunto, então: o que é que de mau a retórica acrescenta a esta endógena violência do próprio dizer que, naturalmente, surge como resposta? Poderemos endossar à retórica o que constitui, afinal, uma característica essencial de todo o discurso?
* Barthes, R., Crítica e Verdade, Lisboa: Edições 70, 1997, p. 76
**Meyer,M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p.70
A palavra violência presta-se, também no contexto da retórica, a numerosos equívocos. Quero, por exemplo, perceber o que poderia ser a aludida "violência peculiar da retórica" e vejo-me em nítidas dificuldades. Sim, o que será este tipo de violência? O recurso às armas ou à força física para impor uma certa opinião ou verdade? A utilização de um discurso cheio de truques ou preconcebidas omissões com a deliberada intenção de enganar? A exploração da boa fé afectivo-emocional ou de eventual fragilidade psicológica para forçar a capitulação perante um inconfessado desejo ou interesse?
Não. Não pode ser a este tipo de violência que se quer aludir quando se aponta o dedo à "violência da retórica". Por uma razão simples: nenhum desses três procedimentos tem a ver seja o que for com uma actualizada concepção de retórica. Não há nem poderia haver algum autor retórico que os preconize. Justamente porque violam alguns dos mais fundamentais princípios da retórica contemporânea: o regime de liberdade, o confronto de opiniões, a alternância da palavra, a ética da discutibilidade.
Resta a hipótese da violência puramente discursiva. Mas o problema é que reclamar dessa violência será reclamar, afinal, do próprio dizer, da fala e da escrita. Porque da retórica se diga o que Roland Barthes afirma da crítica: como poderia ela ser "interrogativa, optativa ou dubitativa, sem má fé, se ela é escrita e se escrever é precisamente deparar com o risco apofântico, a alternativa inelutável do verdadeiro/falso?"* Analogamente, veja-se também como Michel Meyer tão claramente sustenta que "censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se como um responder, como resposta, tal como está nas nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não (...) enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhe propõem, muitas vezes em função de interesses próprios" **
Pergunto, então: o que é que de mau a retórica acrescenta a esta endógena violência do próprio dizer que, naturalmente, surge como resposta? Poderemos endossar à retórica o que constitui, afinal, uma característica essencial de todo o discurso?
* Barthes, R., Crítica e Verdade, Lisboa: Edições 70, 1997, p. 76
**Meyer,M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p.70
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