04 fevereiro 2007

Excerto de um livro não anunciado (361)

É certo que, em alguns casos, para persuadir alguém sem qualquer infracção ética, não precisamos sequer de acreditar nas razões que lhe expomos, de reconhecê-las como suficientemente fortes para nos convencerem, bastando que tenhamos a convicção íntima de que são boas para essa pessoa ou por ela vistas como tais. De facto, contrariamente ao pensamento comum, nem sempre é rigorosamente necessário que o vendedor acredite no seu próprio produto. Basta-lhe a convicção de que há pessoas (clientes) para quem esses produtos são, na verdade, a melhor solução, dado o seu particular quadro de crenças e valores. Isto quer dizer apenas que a avaliação da força dos argumentos não pode deixar de ter em conta o perfil dos destinatários da persuasão. Outra coisa é admitir que a persuasão se pode ficar pela dita via periférica, ou seja, prescindir da informação necessária para a apreciação do mérito da questão. Fazê-lo, seria incorrer na manipulação mais grosseira do auditório, um pouco à semelhança do ilusionista que chama a atenção sobre a mão vazia só para esconder o que tem na outra, que mantém fechada. A persuasão discursiva que está no centro da nova retórica reparte-se pelo ethos, pelo logos e pelo pathos mas não prescinde de uma dimensão crítica fundada na ética da discutibilidade. Impõe-se, por isso, reconhecer o primado da via central em todo o acto persuasivo, embora sem menosprezar o importante papel que a via periférica pode desempenhar para a ele se aceder. Deste modo, poderemos encarar estas duas vias como complementares em vez de alternativas, pois a inserção humana e relacional de todo o processo de persuasão fatalmente leva a que, em maior ou menor grau, ambas estejam sempre presentes.