31 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (387)

Foi neste entendimento que procedemos a uma análise da manipulação “retórica” não focalizada unicamente sobre o orador, como é corrente acontecer, mas, mais exactamente, sobre o par manipulador-manipulado, no pressuposto de que este último é sempre co-responsável pelo engano de que possa ser alvo. Numa palavra, à eventual mentira do orador não tem que, necessariamente, seguir-se o engano do auditor. O manipulado não pode ser visto como autómato ou presa fácil de um qualquer orador menos escrupuloso, sob pena disso ofender a sua própria dignidade de ser humano. É o exercício da sua autonomia e liberdade de formação pessoal que o constitui como responsável pelos seus actos. E o acto retórico corresponde apenas a uma entre tantas outras situações do seu percurso existencial, em que igualmente é chamado a compreender o que se passa à sua volta, a avaliar e a tomar decisões. Mas seria talvez muito ingénuo fundar os abusos retóricos exclusivamente na ignorância de quem escuta, traduzida esta última por um desconhecimento temático que abriria as portas ao abuso de confiança do orador. Quisemos, por isso, analisar também os efeitos da sugestão, da sedução e, de um modo geral, de todos os meios persuasivos que, dir-se-ia, apelam mais à emoção do que à razão. Verificar até que ponto a capacidade crítica e a competência argumentativa dos destinatários da retórica podem, na esfera da decisão, vir a ser relegadas para um segundo plano, por uma palavra especialmente dirigida à sua sensibilidade.