28 julho 2003

O mais e o menos

No segundo livro da sua Retórica, Aristóteles refere o mais e o menos como um dos lugares comuns a partir dos quais o orador pode construir cada argumentação particular. Lugares comuns serão, então, aquelas ideias gerais que se podem adaptar a qualquer discurso e nele desempenhar, como agora se diz, uma função estruturante. Bem vistas as coisas, acabam por funcionar como uma "matriz de múltiplas palavras e expressões possíveis, que adaptam a genericidade do lugar-comum à especificidade do texto" (1).

Modernamente Chaim Perelman atribui aos lugares-comuns um papel análogo ao das presunções: "Os lugares comuns são afirmações muito gerais respeitantes ao que se presume valer mais seja em que domínio for" (2). Enquanto lugar comum, o mais e o menos recebe a designação de lugar de quantidade que é, a par do lugar de qualidade (quando se valoriza mais o excepcional que o normal), um dos lugares mais utilizados na argumentação em geral. Mas vamos aos exemplos:

- aquilo que é mais vantajoso para a maioria (o mais), é preferível ao que só tem utilidade para alguns (o menos);

- o que é mais duradouro e mais estável é preferível ao que o é menos.

- o que não é posto em causa por quem tem muitos estudos menos o será, ainda, por quem pouco lê.

O mais e o menos
não é, pois, aquele mais ou menos displicente com que, por vezes, expressamos certa dificuldade em quantificar ou definir algo (tipo: "como tens passado? - mais ou menos, obrigado"). Antes corresponde a um prévio critério de preferência que valerá argumentativamente enquanto não for posto em causa. Do mesmo modo, o termo lugar-comum, no seu sentido técnico, nada tem a ver com a acepção de vulgaridade que frequentemente lhe é conferida. Mas ainda que não signifique vulgaridade, pode surpreender o recorrente uso que dele fazemos na nossa intercomunicação. Nos blogues e fora deles.

(1) Plebe, A. e Emanuele, P., (1992), Manual de Retórica, S. Paulo:Martins Fontes, p. 142
(2) Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 49