Factos & Jornalismo
Publicou o Abrupto, na sua edição de 12.11.2003 a carta de um leitor que é, por sinal, jornalista, onde este, a certa altura, diz:
Quando sou destacado para acompanhar um qualquer evento, quando escrevo sobre uma reunião da Assembleia Municipal, os meus leitores não querem saber o que penso sobre os assuntos; querem saber o que se passou, quem disse o quê, porquê e para quê.
Eu, jornalista, sou um cidadão igual aos outros: a minha opinião é importante para mim e para os meus familiares e amigos. Não o é para a generalidade dos meus concidadãos. Para estes, o importante é disporem dos factos para formar a própria opinião.
É caso para perguntar:
- Se a função do jornalista se limita a "transmitir" os factos aos seus leitores para que estes formem a sua própria opinião, não será melhor acabar com os jornalistas e recorrer a câmeras de filmar? Quer-se mais "objectividade" que isso?
De facto, não concordo com este leitor (jornalista) do Abrupto e vou dizer porquê.
O que se espera de um jornalista não é uma mera reprodução escrita, fotográfica ou fílmica dos factos. O que se espera de um jornalista é que comunique aquilo de que "tomou conhecimento" e não que relate acontecimentos ou factos avulsos, caóticos. Que nos traga ao espírito uma realidade com sentido, ainda que dele venhamos a discordar. Que se preocupe com sua opinião e não com a nossa. Que nos "apresente" as notícias, ou seja, que não fuja da opinião como quem foge da própria sombra.
O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade. E, ultrapassada essa falsa ideia de acesso à pura factualidade, há-de centrar-se cada vez mais nas tarefas de recepção, interpretação, avaliação e debate, que o fazem retornar ao “(...) mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias, um mundo, afinal, onde não é possível traçar, milimetricamente ou a esquadro, qualquer fronteira entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto” *.
Poder-se-á então falar do jornalismo também como uma forma de conhecimento. De um conhecimento retórico, assinale-se, pois se o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo, então há necessidade de convocar uma argumentatividade que justifique e prove o acerto ou a preferência dessa sua interpretação sobre outras interpretações igualmente possíveis.
Dir-se-á que isto nos remete para uma concepção subjectivista de jornalismo no sentido mais relativista do termo, que o mesmo é dizer, onde cada opinião vale o que vale, sem qualquer compromisso com a verdade. Nada de mais enganoso, porém, já que é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui. Numa palavra, tem que mostrar aquilo que o próprio facto (isolado) nunca deixaria ver.
* Sousa, A., (2001), “Retórica e discussão política”. Comunicação apresentada no II Congresso da SOPCOM, em Outubro de 2001, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Quando sou destacado para acompanhar um qualquer evento, quando escrevo sobre uma reunião da Assembleia Municipal, os meus leitores não querem saber o que penso sobre os assuntos; querem saber o que se passou, quem disse o quê, porquê e para quê.
Eu, jornalista, sou um cidadão igual aos outros: a minha opinião é importante para mim e para os meus familiares e amigos. Não o é para a generalidade dos meus concidadãos. Para estes, o importante é disporem dos factos para formar a própria opinião.
É caso para perguntar:
- Se a função do jornalista se limita a "transmitir" os factos aos seus leitores para que estes formem a sua própria opinião, não será melhor acabar com os jornalistas e recorrer a câmeras de filmar? Quer-se mais "objectividade" que isso?
De facto, não concordo com este leitor (jornalista) do Abrupto e vou dizer porquê.
O que se espera de um jornalista não é uma mera reprodução escrita, fotográfica ou fílmica dos factos. O que se espera de um jornalista é que comunique aquilo de que "tomou conhecimento" e não que relate acontecimentos ou factos avulsos, caóticos. Que nos traga ao espírito uma realidade com sentido, ainda que dele venhamos a discordar. Que se preocupe com sua opinião e não com a nossa. Que nos "apresente" as notícias, ou seja, que não fuja da opinião como quem foge da própria sombra.
O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade. E, ultrapassada essa falsa ideia de acesso à pura factualidade, há-de centrar-se cada vez mais nas tarefas de recepção, interpretação, avaliação e debate, que o fazem retornar ao “(...) mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias, um mundo, afinal, onde não é possível traçar, milimetricamente ou a esquadro, qualquer fronteira entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto” *.
Poder-se-á então falar do jornalismo também como uma forma de conhecimento. De um conhecimento retórico, assinale-se, pois se o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo, então há necessidade de convocar uma argumentatividade que justifique e prove o acerto ou a preferência dessa sua interpretação sobre outras interpretações igualmente possíveis.
Dir-se-á que isto nos remete para uma concepção subjectivista de jornalismo no sentido mais relativista do termo, que o mesmo é dizer, onde cada opinião vale o que vale, sem qualquer compromisso com a verdade. Nada de mais enganoso, porém, já que é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui. Numa palavra, tem que mostrar aquilo que o próprio facto (isolado) nunca deixaria ver.
* Sousa, A., (2001), “Retórica e discussão política”. Comunicação apresentada no II Congresso da SOPCOM, em Outubro de 2001, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
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