03 abril 2004

Excertos de um livro não anunciado (180)

(...) A argumentação apoia-se ainda sobre hierarquias, tanto abstractas como concretas, sejam elas homogéneas ou heterogéneas. Exemplo de uma hierarquia concreta são os raciocínios que partem da ideia de que os homens são superiores aos animais e os deuses aos homens. Mas há também as hierarquias abstractas, como a superioridade do justo sobre o útil ou da causa sobre o efeito. Estas hierarquias por outro lado, tanto podem ser heterogéneas quando relacionam entre si valores diferentes (a verdade acima da amizade de Platão, no caso de Aristóteles) como homogéneas, quando se baseiam numa diferença de quantidade (uma dor mais fraca é preferível a uma dor mais forte). De salientar, porém, que, contrariamente ao que se passa com o que se opõe ao real ou ao verdadeiro, que só pode ser aparência, ilusão ou erro, no conflito de valores não se opera nunca a desqualificação do valor sacrificado pois como diz Perelman “um valor menor permanece, apesar de tudo, um valor” * E esta é uma ideia que não pode deixar de estar presente na discutibilidade argumentativa, como referência básica do respeito pela liberdade do outro. Quanto aos lugares do preferível, estes desempenham na argumentação um papel análogo ao das presunções. Aristóteles dividiu-os em lugares comuns e lugares específicos. Os primeiros correspondendo a afirmações muito gerais sobre o que se presume valer mais seja em que domínio for e os segundos, que se identificam com o que é preferível em domínios particulares. No elenco de lugares possíveis descritos por Perelman, o destaque vai para os mais usuais: o lugar de quantidade, pelo qual se enuncia aquilo que é mais útil para a maioria ou nas situações mais diversas e o lugar de qualidade, quando a preferência de algo é fundada no facto de ser único ou raro. (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 48