09 novembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (208)

A ordem dos argumentos no discurso. Desde sempre foi reconhecida a necessidade de se ordenar as matérias a tratar a fim de mais facilmente se obter a adesão do auditório. Uma primeira forma de ordenação consiste em proceder à divisão do discurso em partes, segundo a específica função que cada uma delas nele exerce. Compreende-se assim que o discurso retórico tenha chegado a ser dividido em cinco partes: exórdio, narração, prova, refutação e recapitulação. Aristóteles, porém, fazendo notar que uma divisão tão pormenorizada seria válida apenas para um ou outro género oratório mas nunca para todos, considera que há somente duas partes que são indispensáveis: o enunciado da tese e os meios de a provar. Perelman, que parece acolher esta divisão de Aristóteles, recorre uma vez mais ao confronto com a demonstração para justificar a importância que se deve atribuir à ordenação dos argumentos. “Notemos, desde já, que numa demonstração puramente formal a ordem não tem importância; trata-se, com efeito, graças a uma inferência correcta, de transferir para os teoremas o valor da verdade, atribuída por hipótese, aos axiomas. Ao invés, quando se trata de argumentar, tendo em vista obter a adesão de um auditório, a ordem é importante. Com efeito, a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições da sua aceitação” (*). Mas o facto de se olhar a divisão do discurso em duas partes verdadeiramente essenciais, não significa que a primeira das divisões aqui citada – exórdio, narração, prova, refutação, recapitulação – se revele totalmente inútil em termos de ordenação dos argumentos, mas tão só, que não é susceptível de uma aplicação taxativa a todos os géneros oratórios. O exórdio, por exemplo, ainda que em princípio o seu objecto seja estranho à discussão propriamente dita, tem uma finalidade funcional muito precisa: suscitar a benevolência e o interesse do auditório e criar neste uma predisposição favorável ao respectivo orador. Simplesmente, o exórdio pode ser suprimido, por exemplo, se o orador já é bem conhecido do seu auditório, ou, como é cada vez mais vulgar, quando a sua apresentação seja confiada a outra pessoa, que poderá ser até o próprio presidente da sessão. De qualquer modo, sempre que tenha lugar, o exórdio incidirá sobre o orador, o auditório, o tema ou sobre o adversário.

(*) Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 159