03 fevereiro 2005

Excertos de um livro não anunciado (218)

É no seio desta discutibilidade que a retórica se traduz por uma revalorização da subjectividade ou, talvez mais exactamente, das subjectividades. Quando se pensa, por exemplo, na discussão entre dois interlocutores, é possível caracterizar as intervenções de ambos como manifestações de liberdade. Um deles inventando argumentos para sustentar a sua tese ou para rebater a tese adversa, o outro, concedendo ou recusando a sua adesão às teses que lhe são apresentadas. De um lado, a liberdade de invenção, do outro, a liberdade de adesão. Uma simetria de posições onde o fluxo comunicacional resulta da troca e do confronto dos respectivos argumentos. Num e noutro caso, uma procura de consenso com base na plena participação, na expressão e afirmação de uma subjectividade cujos sinais e presença podemos referenciar, segundo Meyer, através “(...) da contingência das opiniões, da livre expressão das crenças e das oposições entre os homens, que procuram sempre afirmar as suas diferenças ou, pelo contrário, superá-las para libertar um consenso” (*). Como diz Paul Ricoeur, a propósito do Direito, existe “(...) um lugar da sociedade – por violenta que esta seja, por origem e por costume – onde a palavra prevalece sobre a violência” (**). Esse lugar é também o da retórica pois o consenso a que esta se dirige é inseparável de uma ideia de justiça. No direito como na retórica, “é no estádio do debate que melhor vemos confrontarem-se e penetrarem-se a argumentação, em que predomina a lógica do provável e a interpretação em que prevalece o poder inovador da imaginação da própria produção dos argumentos” (***).


(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 19
(**) Ricoeur, P., (1997), O Justo ou a essência da Justiça, Lisboa: Instituto Piaget, p. 9
(***) Ibidem, p. 22