10 fevereiro 2005

Excertos de um livro não anunciado (219)

Mas se a retórica é esse encontro dos homens na livre exposição das suas diferenças, não menos importante é o papel que ela desempenha no reconhecimento e na reconstrução das identidades. As metáforas da distância e da proximidade revelam-se então muito apropriadas para figurar, respectivamente, a razão de ser e o efeito da argumentação, que o mesmo é dizer, o que leva a que se argumente e o que pode resultar do acordo, do consenso.

É por isso que Meyer vê a retórica como negociação da distância entre os sujeitos. “Esta negociação acontece pela linguagem (ou, de modo mais genérico, através da – ou de uma – linguagem), pouco importa se é racional ou emotiva. A distância pode ser reduzida, aumentada ou mantida consoante o caso. Um magistrado que pretenda suscitar a indignação, procurará impedir qualquer aproximação ou identificação entre o réu e os jurados. Em compensação, um advogado que pleiteia a favor de circunstâncias atenuantes, esforçar-se-á por encontrar pontos de contacto e semelhanças entre os jurados e o acusado. O que está em jogo na retórica é a distância, mesmo se o objecto do debate é sempre particularizado por uma questão” (*). Por uma questão que, acrescente-se, seja susceptível de receber mais do que uma solução, pois só quando portadora de diferentes possíveis justifica a convocação da argumentatividade.

(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 26