27 abril 2005

Aborto de referendo

Diz Vital Moreira, com a autoridade que lhe é reconhecida, que "os referendos não servem para aprovar, ou não, todos os aspectos das leis, mas sim as suas opções básicas". Mas será que decidir sobre a eventual descriminalização da IVG tem algo a ver com uma "opção básica"?

Duvido. Assim como duvido que uma questão que suscita tão sérias interrogações morais, científicas e religiosas, possa vir a ser "despachada" por referendo. O que está em causa na arrastada disputa do aborto é, sobretudo, decidir se o feto é já um ser humano, ou, ainda mais exactamente, determinar quando começa uma vida humana, para em conformidade com a decisão, desenhar e estabelecer o mais adequado regime de protecção legal.

Pedro Madeira, propõe o critério da actividade organizada do córtex cerebral que ocorre entre as 25 e as 32 semanas, altura em que o feto começa a pensar e a ter consciência. Só a partir daí, portanto, seria imoral abortar. Mas o problema mantém-se. Como o próprio Pedro Madeira reconhece, os limites das 25 ou das 32 semanas são calculados por mera estimativa, um método manifestamente pouco rigoroso e seguro quando está ou pode estar em jogo uma vida.

Mas o que mais me espanta é que uma tomada de decisão de tão elevado grau de dificuldade e indeclinável acento ético, seja confiada ao mero somatório de "sins" e "nãos" (que é muito menos do que um consenso) sem qualquer exigência de conhecimento e justificação. Para que serve então o referendo sobre o aborto? Apenas para livrar o governo (e já agora os deputados da A. R.) da responsabilidade de decidir?

Alguma razão terá O meu Moleskine quando propõe um referendo ao próprio referendo, através da seguinte pergunta:

Concorda com a existência de momentos a que dão o nome de cívicos que permitem decidir questões sobre as quais nunca teremos uma opinião formada, através da resposta a uma pergunta cuja objectividade é, no mínimo, ambígua e que apenas serve para concretizar os intentos de políticos que mais não têm do que fazer perguntas cuja objectividade é, no mínimo, ambígua?