14 junho 2005

Excertos de um livro não anunciado (239)

Significará isto que devemos considerar a retórica especialmente vulnerável à manipulação? Poderemos condená-la à partida por constituir um meio privilegiado de induzir ao engano? Parece que a resposta a tais questões só pode ser negativa. Em primeiro lugar, porque, como já vimos, o próprio Aristóteles viria a relativizar as graves acusações de Platão, transferindo-as da técnica retórica para a responsabilidade moral dos seus agentes. É o que faz quando, ao nível dos respectivos usos possíveis, compara a retórica a todos os outros bens, à excepção da virtude, especialmente com os mais úteis tais como o vigor, a saúde, a riqueza ou a capacidade militar: “com eles tanto poderiam obter-se os maiores benefícios, se usados com justiça como os maiores custos, se injustamente utilizados” (*). Depois, porque não podendo ficar imune a uma dada instrumentalização abusiva, a retórica contém no entanto em si própria o melhor antídoto para descobrir e desmascarar quem indevidamente dela se sirva.

(*) Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 51