03 setembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (255)

A retórica pressupõe, por isso, a competência argumentativa dos seus agentes, pois, como diz Aristóteles, “é preciso que se seja capaz de convencer do contrário, não para que possamos fazer indistintamente ambas as coisas (pois não se deve convencer do mal), mas para que não nos iludam e se alguém fizer um uso injusto de argumentos, sejamos capazes de refutá-los” (*). Talvez que esta recomendação de Aristóteles tenha vindo a ser sistematicamente interpretada como dizendo respeito essencialmente ao orador, mas o facto é que a discutibilidade da retórica remete desde logo para o confronto de opiniões, para o debate, para a alternância no uso da palavra, pelo que, sem dúvida, aplica-se igualmente ao auditório. Em que consiste, porém, essa capacidade de convencer do contrário? Perelman deixa muito claro que “a competência argumentativa não diz, apenas, respeito à arte de falar eloquentemente, mas a uma eloquência indissociável do raciocínio e do discernimento pensante” (**). Não basta por isso falar fluentemente, colocar bem as palavras, fazer um discurso que emocione e cative o auditório. Mais do que construir frases de grande efeito, mais do que dominar as técnicas do dizer, é preciso saber pensar, articular as razões ou os argumentos, perceber as eventuais objecções, decidir sobre a sua pertinência, acolhê-las ou rejeitá-las, segundo se mostrem ou não passíveis de enriquecerem as respectivas propostas. E acima de tudo, é necessário ter sempre presente que o falar só faz sentido se for a expressão de um raciocinar. É esta competência argumentativa que se assume como requisito da retórica a um tempo eficaz, racional e livre. E só nestes termos se pode falar, como o faz Rui Grácio, de uma ética da discussão, “fundada no princípio da tolerância, no pluralismo e na rejeição da violência” (***).

(*) Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 50
(**) Cit. in Grácio, (1993), R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 148
(***) Grácio, R., (1993), Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 103