01 setembro 2005

O que diz um cronista?

Está então o cronista diante do mundo e de si próprio. E só pode repetir (na melhor das hipóteses por outras palavras, donde o título genérico destas crónicas) aquilo que cada homem imemorialmente repete: o amor e a morte, o medo e a esperança, a alegria e a decepção. Acontece assim nos sonhos. Temos medo e sonhamos com a esfinge. A verdade, porém, não é a esfinge, a verdade é o medo; a esfinge é só a imprecisa forma do nosso medo. Também a crónica aqui falará, a partir de hoje, de gente, de factos, de acontecimentos, mas o que dirá é outra coisa. E essa coisa é que é a verdadeira.

Manuel António Pina in Jornal de Notícias, 01 Setembro 2005

Que coisa é essa que o cronista nos vai dizer? Meia resposta já foi dada: não serão apenas factos, gentes ou acontecimentos. O autor admite também repetir assuntos, embora por outras palavras. Este é, porém, um cuidado excessivo. Porque quem escreve com o brilho literário de Manuel António Pina jamais se repete. Ainda que use as mesmas palavras.