28 agosto 2005

Leitura forçada

Há coisas que ainda têm o condão de abalar o meu sentido de reserva e respeito pela privacidade. O email que recebi hoje, por exemplo, que tanto pode ser visto como maravilha da globalização em curso, como um rastilho do desassossego que o futuro nos reserva.

É uma jovem mulher (e desde quando uma mulher não é jovem?) brasileira, de S. Paulo, que resolveu procurar emprego dentro da minha caixa de correio eletrónico enviando-me um detalhado currícula profissional. Tem experiência de gerente na área financeira e é nessa mesma área que continua interessada. Diz a sua idade, que é casada, que tem por objectivo vencer desafios. Deixa mesmo a morada exacta, os números de telefone fixo e de telemóvel (a).

Não se trata de um apelo desesperado. Ninguém verdadeiramente desesperado fica a procurar um emprego apenas na área financeira. Surpreende-me, por isso, que esta candidata a gerente financeiro tenha decidido partilhar com o resto do mundo uma informação exacta sobre a sua morada e o seu telemóvel. Oxalá o resto do mundo possa recompensá-la por tamanha ousadia (ou ingenuidade?).

No meu caso, porém, tenho más notícias. O email que me enviou foi uma pura perda de tempo. Para ela, porque ainda não foi desta que conseguiu o almejado emprego. Para mim, porque me obrigou a ler um texto que não queria ler, a tratar de assuntos que não queria tratar. E logo neste dia que é tradicionalmente consagrado ao descanso.

Bom, também não foi tão grave assim. Porque há nesta "vida" digital percalços muito mais aborrecidos do que uma mera leitura forçada. O problema é que nada impede que outras mil pessoas tenham a mesma ideia. E quem diz mil, diz um milhão, diz dois ou três ou sei lá quantos mais. Chegaremos alguma vez a uma situação destas? Não se sabe. Mas uma coisa é certa: por este andar, que ninguém se admire se um dia viermos a ter mais privacidade no meio da rua do que dentro de casa (b).



(a) Que não deixarei de indicar a quem possa atender ao seu pedido.
(b) Partindo do princípio que não caminhamos pela rua de notebook ao colo...