A retórica da credibilidade
A propósito do Expiação Mediática, do Paulo Cunha Porto:
Pelo que até agora se (não) sabe, o “só matei três vezes” do cabo da GNR de Santa Comba, tanto pode corresponder a uma deliberada intenção de enganar, como traduzir fielmente o que se passou. Certo é que nenhuma das hipóteses recai sobre a específica alçada da retórica. A primeira, porque como já aqui tenho defendido, não pode a disciplina abdicar da mais elementar exigência ética. O engano, o disfarce, a mentira e a manipulação não são propriedade da retórica nem com ela se ajustam mais ou melhor do que com qualquer outra perspectiva de (estudo do) discurso. Já a possibilidade do militar estar a “dizer a verdade”, não sendo ainda uma questão retórica strictu sensu, para a retórica nos remete, se o que estiver em causa for, sobretudo, a avaliação dos efeitos persuasivos de uma dada expressão ou estratégia comunicacional. Como é o caso.
Naturalmente que repugna à consciência comum ver alguém muito preocupado em repor a verdade quando se trata de apurar apenas se esse alguém matou ou não mais do que três pessoas. Há actos de natureza tão ignóbil que nenhuma precisão de grau parece fazer atenuar a sua censurabilidade. Mas já saber, por exemplo, se a afirmação “só matei três vezes” é (foi) ou não uma afirmação persuasiva, passa muito mais pela reacção do auditório mediático do que pela intenção do declarante ou da eventual força impressiva da respectiva expressão. É por isso, sobretudo por isso, que a retórica nenhuma conclusão garante (a não ser provisoriamente) e que as suas maiores conquistas devem ser encaradas sempre apenas como opiniões que vão resistindo ao sucessivo escrutínio crítico. Numa palavra, só o auditório é juiz (o que não significa que só o juiz tenha razão). Logo, se se quer conhecer a persuasividade de um argumento é preciso esperar pela sua prova de fogo, pelo momento em que lançado no debate, público ou privado, suscita um certo quid de adesão, de indiferença ou de rejeição. Até lá, não representa mais do que uma probabilidade de sucesso.
Como reagiu ou está a reagir o auditório mediático - cada vez mais coincidente com o espaço público – ao “só matei três vezes” do cabo da GNR? Faltam dados seguros. Mas à luz do ensinamento retórico, há, desde já, toda a legitimidade para fazer uma previsão: não só não terá persuadido ninguém quanto à pretendida relativização do mal que causou, como se arrisca a que ninguém acredite na sua afirmação, mesmo que de afirmação verdadeira se trate. É que de acordo com a tríade aristotélica ethos-logos-pathos, a eficácia da retórica ou argumentação persuasiva depende, em primeiro lugar, do carácter ou da credibilidade de quem tem a palavra. Ou seja, de pouco vale o que se diz e como se diz, se o auditório já está de pé atrás quanto à credibilidade do declarante. E, salvo melhor opinião, é esse o caso do militar de Santa Comba. Logo, a amplificação e a repetição mediática do “só matei três vezes”, ao invés de lhe criar uma favorável “auréola de coitadinho”, só o poderá descredibilizar. Ainda mais.
Pelo que até agora se (não) sabe, o “só matei três vezes” do cabo da GNR de Santa Comba, tanto pode corresponder a uma deliberada intenção de enganar, como traduzir fielmente o que se passou. Certo é que nenhuma das hipóteses recai sobre a específica alçada da retórica. A primeira, porque como já aqui tenho defendido, não pode a disciplina abdicar da mais elementar exigência ética. O engano, o disfarce, a mentira e a manipulação não são propriedade da retórica nem com ela se ajustam mais ou melhor do que com qualquer outra perspectiva de (estudo do) discurso. Já a possibilidade do militar estar a “dizer a verdade”, não sendo ainda uma questão retórica strictu sensu, para a retórica nos remete, se o que estiver em causa for, sobretudo, a avaliação dos efeitos persuasivos de uma dada expressão ou estratégia comunicacional. Como é o caso.
Naturalmente que repugna à consciência comum ver alguém muito preocupado em repor a verdade quando se trata de apurar apenas se esse alguém matou ou não mais do que três pessoas. Há actos de natureza tão ignóbil que nenhuma precisão de grau parece fazer atenuar a sua censurabilidade. Mas já saber, por exemplo, se a afirmação “só matei três vezes” é (foi) ou não uma afirmação persuasiva, passa muito mais pela reacção do auditório mediático do que pela intenção do declarante ou da eventual força impressiva da respectiva expressão. É por isso, sobretudo por isso, que a retórica nenhuma conclusão garante (a não ser provisoriamente) e que as suas maiores conquistas devem ser encaradas sempre apenas como opiniões que vão resistindo ao sucessivo escrutínio crítico. Numa palavra, só o auditório é juiz (o que não significa que só o juiz tenha razão). Logo, se se quer conhecer a persuasividade de um argumento é preciso esperar pela sua prova de fogo, pelo momento em que lançado no debate, público ou privado, suscita um certo quid de adesão, de indiferença ou de rejeição. Até lá, não representa mais do que uma probabilidade de sucesso.
Como reagiu ou está a reagir o auditório mediático - cada vez mais coincidente com o espaço público – ao “só matei três vezes” do cabo da GNR? Faltam dados seguros. Mas à luz do ensinamento retórico, há, desde já, toda a legitimidade para fazer uma previsão: não só não terá persuadido ninguém quanto à pretendida relativização do mal que causou, como se arrisca a que ninguém acredite na sua afirmação, mesmo que de afirmação verdadeira se trate. É que de acordo com a tríade aristotélica ethos-logos-pathos, a eficácia da retórica ou argumentação persuasiva depende, em primeiro lugar, do carácter ou da credibilidade de quem tem a palavra. Ou seja, de pouco vale o que se diz e como se diz, se o auditório já está de pé atrás quanto à credibilidade do declarante. E, salvo melhor opinião, é esse o caso do militar de Santa Comba. Logo, a amplificação e a repetição mediática do “só matei três vezes”, ao invés de lhe criar uma favorável “auréola de coitadinho”, só o poderá descredibilizar. Ainda mais.
<< Home