14 abril 2007

Crítica sobre crítica



Eduardo Cintra Torres, no "Olho Vivo" do Público de hoje, lamenta o fim das (excelentes) entrevistas de Ana Sousa Dias, na RTP2, que a direcção desta última retirou do ar sem qualquer explicação. Ao mesmo tempo desanca forte e feio sobre o programa cultural "Câmara Clara", da subdirectora do canal, Paula Moura Pinheiro, apelidando-o de "vulgaridade televisiva em termos de produção e conteúdo" que "serve o exibicionismo da própria subdirectora, com a sua idiossincrasia insuportável e um ego do tamanho do orçamento". Na impetuosidade da sua crítica vai mesmo ao ponto de afirmar a "impossibilidade de um programa razoável apresentado por tal figura".

Sobre o assunto direi:

1) Também me custa ver desaparecer o programa "Por outro lado", de Ana Sousa Dias, que inventou uma nova maneira de entrevistar, com tranquilidade (by Paulo Bento), com sabedoria e até com um certo charme q. b., bem ao contrário daquele estilo agressivo com que certos entrevistadores avançam para o entrevistado, como se se tratasse de mais um exame ou inquirição judicial, quando não, verdadeiro combate. Tem o pequeno senão de por vezes derivar mais para uma agradável conversa do que propriamente para uma entrevista mas, em qualquer caso, a maior descontracção e disponibilidade do entrevistado que quase sempre daí resultam, são, regra geral, muito compensadoras.

2) Embora nunca tenha assistido a um programa inteiro, lembro-me que, por duas ou três vezes, sintonizei de passagem o "Câmara Clara" e em nenhuma delas assisti ao que quer que fosse que pudesse justificar a contundência do conhecido e abalizado crítico (de que, aliás, sou habitual leitor). Sim, a atitude da "entrevistadora" Paula Moura Pinheiro não tem nada a ver com a de Ana Sousa Dias. Mais interventiva (muito mais), chega a responder às próprias perguntas que formula aos seus entrevistados e fá-lo, de resto, com uma exuberância de gestos e com tal empenhamento que, do ponto de vista da realização, justificam, sem dúvida, o grande plano em que frequentemente nos surge. Mero exibicionismo? Pode ser que sim, pode ser que não. Mas que me parece um excesso, parece. Se o programa se transforma numa tribuna para a entrevistadora o que estarão lá a fazer os convidados?

3) Afirmar, porém, que o programa é uma "vulgaridade televisiva em termos de produção e conteúdo" sem adiantar as razões que suportam avaliação tão negativa, não é, propriamente, um exercício crítico. Uma crítica carece sempre de fundamento, de razão ou justificação. É isso que a separa do palpite ou do mero mal-dizer. Quanto aos ataques pessoais que Cintra Torres faz a Paula Moura Pinheiro, são francamente de evitar e só os entendo como tendo surgido mais ou menos involuntariamente, ao correr da pena. Porque, aqui entre nós, o que é que a suposta "idiossincrasia insuportável" ou o "ego do tamanho do orçamento" de uma profissional da televisão tem a ver com a qualidade do seu programa? E se em resposta (legítima) Paula Moura Pinheiro viesse agora invocar a idiossincrasia do Crítico? Não, não é por aí.