07 abril 2007

Excerto de um livro não anunciado (371)

Descobrir o que mais preocupa o auditório, aquilo a que atribui mais significado, interesse ou valor, insere-se numa estratégia que visa prender a sua atenção, despertando-lhe o desejo de escutar o que o orador tem para lhe dizer. O que constitui uma condição prévia da argumentação a que nenhum orador se pode furtar, pois como diz Perelman, “é preciso que um discurso seja escutado” (*) para que possa ter lugar o contacto de espíritos entre orador e auditório, próprio de toda a relação retórica. Logo, enquanto condição necessária tanto à retórica como à indução hipnótica, a focalização da atenção dos interlocutores oferece-se como ponto de partida ideal para a compreensão da proximidade processual entre uma e outra. E senão vejamos: em que consiste e como se realiza essa focalização da atenção? Todos sabemos como numa situação ou estado normal a nossa atenção permanece mais ou menos distribuída por um sem número de factos ou estímulos. A imagem e o som do televisor, o tocar do telefone, o amigo que nos bate à porta, a temperatura que faz na sala, o sol que nos entra pela janela, o conforto do sofá sobre o qual repousamos, o fumo de um cigarro entre os dedos, o jornal que folheamos algo displicentemente, são apenas algumas das percepções quase simultâneas que a nossa memória imediata se encarrega de manter perfeitamente disponíveis, ao alcance da nossa consciência. Trata-se, porém, de uma atenção minimalista, superficial e algo difusa, que, ao não incidir especialmente sobre nada, tudo nos permite ter à mão.

(*) Chaim Perelman, (1993), O império retórico, Porto: Edições ASA, p. 29