11 julho 2010

A retórica da golden share

Apesar de ninguém ter pedido a minha opinião sobre a golden share da PT (ou precisamente por isso), aqui vai ela:

1) Não simpatizo com a
golden share, como não simpatizo com qualquer direito especial de um ou mais accionistas (especialmente no caso do Estado, que deve(ria) ser exemplar). Não apenas porque restringem injustificadamente a "livre circulação de capitais" (seja lá isso o que for) mas principalmente porque ao violarem o princípio da proporcionalidade, instalam a desigualdade entre accionistas, fazendo com que uns passem a ser mais accionistas do que outros, independentemente da quantidade de acções tituladas. Se o Estado considera que há interesse estratégico nacional, então que assegure uma participação no capital da empresa proporcional a esse interesse. Que se comporte, enfim, como um accionista entre outros.

2) Mas a
golden share na PT existia, de facto, à data em que a Telefónica - algo afrontosamente, reconheça-se - resolveu ignorar a posição do Governo português e propor a compra da Vivo, por um montante que qualquer aprendiz de merceeiro não teria dificuldade em considerar como muito tentador para os accionistas privados (naturalmente, mais virados para a rentabilidade do seu investimento do que para a estratégia nacional).

3) Logo, considerando o Governo português que a alienação patrimonial da PT (venda da Vivo) era contrária aos interesses estratégicos nacionais fez muito bem em accionar a dita
golden share. Pode-se perguntar: estavam em causa tais interesses estratégicos nacionais? Foi o melhor modo de os defender? Justificava-se o estilo retórico-agressivo do costume com que o Primeiro-Ministro indirectamente terá falado (pelo menos) para a Telefónica e para o presidente do BES? É o que falta apurar. Mas se os pressupostos invocados estão certos, então o Governo agiu bem.

* A
acção por incumprimento que deu origem ao Acordão do passado dia 8, foi interposta pela Comissão Europeia, em 21 de Abril de 2008, há mais de dois anos, portanto. Ora nada tendo a ver a referida acção com a proposta concreta da Telefónica, como é que se deu esta tão feliz "quase coincidência" entre a data da proposta da Telefónica e a data do Acórdão? Lá como cá, as mesmas perplexidades temporais ou oportunísticas da máquina judiciária.