23 julho 2003

Blogues: poder, retórica e sedução

A expressão é livre. O espaço é gratuito. Mas nem por isso a Blogosfera fica imune às estratégias de poder, como bem salientou José Bragança de Miranda. Quem lê os blogues com alguma atenção percebe que, do ponto de vista relacional, a Blogosfera não é, afinal, um mundo muito diferente dos outros mundos da vida. Aqui, como "lá fora", nascemos todos iguais, mas acabamos por ser todos diferentes. E, como se sabe, são inúmeros os factores que originam essa diferença.

A afinidade de interesses, valores ou ideias, a existência de uma rede comum de ligações pessoais e desde logo, um mínimo de prévio conhecimento pessoal, estão seguramente por detrás da discriminação (positiva?) a que aqui se assiste, não só em termos de "blog-etiqueta" (boas vindas, etc.), como na atenção e insistência com que se elogia ou polemiza quase sempre com os mesmos blogues. Mas é natural que assim seja. Porque compartilhar este "espaço electrónico" não significa, obviamente, o anular das respectivas diferenças ou distâncias pessoais.

Logo, quem não se conforme com tais distâncias deve tomar a iniciativa de formular a questão e propor o debate. O que significa... fazer retórica. Porque a retórica, segundo Michel Meyer, traduz-se, precisamente, na negociação da distância entre os homens, pelo recurso a "(...) uma lógica da identidade e da diferença, identidade entre eles ou identidade de uma resposta para eles, apesar da diferença entre eles e entre as suas múltiplas opiniões e saberes" *. É certo que nem a melhor argumentação garante o êxito. Mas é justamente esse o registo mais democrático da retórica: liberdade de opinião, respeito pelo outro, aprovação consensual. Nem os argumentos aprovados são tidos como racionalmente definitivos ou evidentes, nem os rejeitados perdem o seu valor só porque não foram reconhecidos. O saldo retórico é sempre positivo. Nuns casos, porque leva à  deliberação ou soluçao pretendida. Noutros, porque permite aprofundar a compreensão da própria questão ou do conflito em aberto.

Não se pode esquecer, porém, que numa boa retórica (ou argumentação) é necessário, antes de mais, captar a atenção do auditório (mesmo que eventualmente representado por uma só pessoa). O que, naturalmente, pode ser favorecido por um certo "quid" de sedução. De sedução entendida aqui como figura do agrado, do prazer, do bem estar, ou seja, como pertencendo mais à  esfera do gosto do que à  da fria e etimológica racionalidade com que, de uma penada, se pretende muitas vezes remetê-la para o puro engano. Não admira por isso que alguns dos blogues mais "notáveis" apostem igualmente numa estratégia de sedução, em ordem a alargar os seus "centros de influência" (blogues a que se referem ou que publicitam) e, ao mesmo tempo, a exponenciar a receptividade do seu auditório geral. Pensando bem...que mal há nisso? Não é assim que vivemos "lá fora", também? Tem a palavra o Socio[B]logue...


*Meyer, M., Questões de Retórica : Linguagem, Razão e Sedução. Lisboa: Edições 70, Lda., 1998, p. 33