02 julho 2003

O que é a falta de seriedade polí­tica?

Com isto é que eu embirro. Acabo de ouvir, na TSF, o deputado Jorge Lacão acusar o actual Governo de falta de seriedade política (a propósito da elevação a concelho de umas localidades e não de outras). E não pude deixar de lembrar tantas outras ocasiões em que já li ou ouvi a mesma retoriquice por parte de muitos outros protagonistas políticos da nossa praça, sejam eles da Oposição ou do Governo. Parece que virou moda: por dá cá aquela palha, no Parlamento ou fora dele - e com uma frequência que começa a ser preocupante - os deputados (ou alguns deputados) viram as costas aos argumentos e preferem acusar os seus interlocutores de desonestidade política. Repare-se que não se trata de uma verdadeira acusação pública de desonestidade. Nem pensar. Com o uso de tal expressão - defender-se-á o acusador - pretende-se tão somente exprimir a ideia de que o destinatário desse rótulo ou não cumpre o que prometeu, ou não é coerente com as convicções que publicamente defende ou não interpreta correctamente os anseios do povo, ou...ou...ou... qualquer outra coisa, que no fundo, se situará sempre no restrito âmbito da competência ou performance política e nunca na esfera da ética ou da moral. Ou seja, no vale-tudo em que está a transformar-se o combate políco-partidário no nosso país, recorre-se à acusação de desonestidade política para desse modo achincalhar o interlocutor e ferir a sua dignidade pessoal sem ter que prestar contas por tal ofensa. Porque, diga-se o que se disser, a qualificação da desonestidade como (apenas) política será sempre um mero artifício para fugir às responsabilidades do insulto, sem perder o impacto e a força persuasiva do mesmo. O resto é poeira para os nossos olhos. É que não há desonestidade política. Há apenas... desonestidade. A política não é uma gaveta à parte no armário da vida. Nenhum homem é um, fora da política, e outro, quando a ela recorre ou nela se envolve. E isto porque a atitude moral é uma das atitudes mais estáveis no ser humano. Nem surge de repente, como que por insight, nem se dá bem com sucessivas oscilações: constrói-se paulatina e duradouramente na convivência social, no reconhecimento do outro e ao situar-se na esfera do íntimo, constitui porventura o principal traço da nossa identidade. É neste quadro de permanência que podemos buscar o suporte e a ligação possível entre os actos e a pessoa que os pratica(*) . Que não haja, portanto, ilusões neste domínio: um sujeito que é desonesto na política é porque já o era antes, fora dela. Logo, a desonestidade política poderia ser tudo. Mas bem vistas as coisas e atento o seu uso corrente por parte de alguns dos nossos políticos, não é nada, afinal. Apenas mais uma retoriquice...

* Sousa, A., (2001), A Persuasão, Covilhã: Editora Universidade da Beira Interior