Factos, Opinião & Jornalismo
O ContraFactos & Argumentos teve a amabilidade de apresentar no seu post de 2003.11.21, "VITAMEDIAS” as razões porque discorda de três frases do meu “Factos & Jornalismo”. Essas frases são as seguintes:
- "O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade"
- "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo"
- "é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui"
Registando a atenção com natural agrado, passo a responder de uma forma mais pormenorizada, coisa que o meu texto inicial não consentia.
***
Quanto às minhas duas primeiras frases:
O ContraFactos & Argumentos vem agora (para minha surpresa ) reconhecer que, afinal, as afirmações “O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade" e "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo" são (ou podem ser) verdadeiras no caso da imprensa e da rádio. Só não as considera aplicáveis à televisão. Muito bem. É um problema a menos. Sucede que, mesmo no caso da televisão, embora comece por dizer que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” (um jornalista que transmite imagens? Não sei o que é) acaba por vir a afirmar precisamente o contrário, quando, já a fechar o seu post, escreve: “ Uma nota final sobre o fim do jornalista e a ascensão da câmara de filmar objectiva: até estes equipamentos têm opinião, porque atrás deles está sempre alguém a manobrá-los”. Logo, em vez de ContraFactos temos aqui uma ContraDição, que urge sanar. Entretanto, também não era preciso mostrar-se “mais papista que o papa” ao declarar com todas as letras, que até os equipamentos têm opinião. É que se até os equipamentos têm opinião, imagine-se os jornalistas... (itálico e sublinhado meus).
***
Quanto à minha terceira frase:
Aqui o ContraFactos alega que “O jornalista não tem de se bater pela ou demonstrar a sua objectividade, ele deve ser objectivo e verdadeiro perante os factos que relata. A nuance é importante.” E estou plenamente de acordo: a nuance é, de facto, muito importante. Mas, a meu ver, por uma outra razão. É que se o jornalista não tivesse que se bater pela objectividade e pela verdade, então não teria que se justificar nunca perante ninguém. Nem perante as chefias, nem perante o leitor, nem perante si próprio. Mas isso, está bom de ver, seria um meio caminho para a irresponsabilidade. Não basta, pois, que o jornalista escreva: “os factos são estes”. Ou que se limite à sua estrita descrição. É preciso que, ao fazê-lo, possa justificar a sua escolha ou avaliação ou esteja em condições de o fazer. O que requer uma opinião sobre o assunto. E que opinião será essa? Será, naturalmente, a opinião que o guiou nas suas escolhas e nas suas avaliações (dos factos). A sua opinião, portanto.
Contudo, se alguma dúvida persiste quanto a isto, imaginemos agora, por mera hipótese, que as coisas não se passam realmente assim e que, por absurdo, o jornalista consegue enclausurar a sua opinião ou dela prescindir totalmente. Como é que ele vai saber que factos devem ser isolados da realidade contínua e multiforme? E, supondo que acabará por tomar alguma decisão, que garantias tem ele sobre o valor-notícia do acontecimento escolhido? Se não pode contar com a sua opinião como é que ele vai fazer? Atira uma moeda ao ar? Ausculta a opinião de quem estiver por perto? Vai telefonar para a redacção? Ou será que dispõe de um secreto critério científico e universal para seleccionar, interpretar e avaliar os factos com interesse jornalístico? Veja-se a que hipotético ridículo temos que chegar na vã tentativa de esconjurar a opinião do jornalista chamado a relatar um facto.
Mas para além de defender que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” o Contra Factos & Argumentos diz ainda: “Por isso me afasto da presunção de que o jornalista deve retornar ao "mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias" para, precisamente e como refere o jornalista citado no Abrupto, afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. E não restam dúvidas de que temos aqui duas ideias altamente persuasivas que, na sua singeleza epidérmica, eu próprio me apressaria a subscrever. Isso, bem entendido, se o fundo da questão fosse realmente esse. Mas não é.
Refiro-me à ideia de que “o jornalista não deve impôr a sua avaliação da realidade” e àquela outra de que o jornalista “deve afastar a sua opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. A primeira destas ideias, aliás, chega a parecer auto-colante, tal a aceitação geral que de imediato desperta. De facto, quem é que gostaria que, fosse quem fosse, lhe impusesse uma opinião? Isso nem se se pergunta. Porque deveria então ser diferente com um jornalista? Já a segunda ideia aparenta ser mais substantiva apesar do “adorno” lógico em que se encontra envolvida. Explico-me.
É lógico que, no limite, ao leitor interessaria conhecer os factos tal qual o jornalista os conheceu, para então, formar a sua própria opinião. Lógico é. Só que, por um lado, o leitor não é jornalista e por outro, a frase “afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião” não implicita uma questão de lógica mas sim uma questão de verdade ou de correspondência com o real. E o ponto é esse. Seria o ideal poder corresponder a esse interesse do leitor, mas não é possível. Logo, nem o leitor pode pedir o impossível ao jornalista nem este pode oferecê-lo ao leitor. O que este pode esperar e exigir do jornalista é que ele recorra às conhecidas regras (ou procedimentos) de objectividade e isenção. Mas não mais que isso. E isso, não cerceia ou anula a opinião do jornalista. De modo algum. Escusado será dizer, porém, que não se trata aqui de opinião no sentido de comentário ou pública emissão de juízo de valor mas daquela opinião de que o próprio jornalista se serve para poder aferir se está ou não a ser suficentemente objectivo e imparcial.
Muito claro resulta também que o jornalista não tem que impor uma avaliação (opinião). Mas não é esse o problema. O problema é que também não tem que impor um facto. O seu facto. Aquele que ele viu ou viveu (e nao outros). Com a importância e o significado que lhe são por si atribuídos (opinião). Não está em causa a honestidade do jornalista, a sua credibilidade pessoal e profissional ou até o seu sempre possível erro. O que está em causa é saber se é possível algum jornalista reproduzir apenas os meros factos. O que se nega é a crença na apreensibilidade jornalística dos puros factos, uma crença tão ingénua quanto a de supor que a ideologia do jornalista não existe ou não influencia minimamente as suas crenças, os seus relatos, as suas escolhas ou opções. Pior, muito pior do que reconhecer a influência da opinião será, portanto, ocultá-la e fingir que todo o processo de produção da notícia lhe está imune. Isso é que seria um logro.
Não sei como o Contra Factos & Argumentos interpretou esta minha passagem “mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias”. Quando escrevemos, nunca dizemos tudo o que queremos dizer. Mas a vantagem da retórica ou argumentação é essa: sempre podemos aditar, esclarecer ou até reformular um dito mais avulso ou isolado. Vinco, por isso, que o “meu” mundo da opinião e da intersubjectividade não é o chamado mundo do “subjectivismo relativista”. Do mesmo modo, preciso deixar bem claro que a opinião a que me venho referindo, não é a opinião que o jornalista “põe” conscientemente na notícia para lhe dar um certo sentido ou orientação, mas sim aquela que já “lá” está, independentemente da sua vontade. Não é uma opinião explícita e livre. É uma opinião implícita e necessária, sem a qual, não haveria jornalismo. Essa outra opinião que se “põe” num texto com o deliberado fim de “tomar partido” é, como se sabe, a opinião dos chamados comentadores, dos cronistas, dos editorialistas.
A opinião de que falo não é também um “género jornalístico” como o são, a notícia, o editorial, a crónica, a reportagem ou a entrevista. É antes uma figura do pensamento, da memória, da cultura pessoal, algo que tem muito a ver com o conjunto de crenças, de valores, de preferências e visões gerais das coisas, das pessoas e da vida que asseguram a nossa identidade e nos guiam no quotidiano. É-o no sentido em que sempre poderíamos dizer “eu tenho opinião sobre esse assunto” mesmo sem cuidar previamente de saber que assunto seja, pois a cultura e história pessoal de cada um a todos permite, em princípio, exprimir um ponto de vista ou fazer uma apreciação, seja do que for. No mínimo, fazer uma pergunta, que é igualmente, uma forma de opinar.
Quantas vezes começamos a “dizer umas palavras” de improviso, sem sabermos muito bem ainda o que dizer e até acabamos por nos sair bem? É esse o mundo da opinião a que me refiro. Nada de muito rigoroso, nada de muito delimitado, mas suficientemente consistente para nos orientar na construção de um sentido. É essa a opinião que está em causa na conhecida dificuldade em traçar uma clara linha de fronteira entre os factos e a opinião. É dessa opinião que o jornalista não se consegue desvincular e é bom que tenha consciência disso, para poder operar a indispensável descentração. A questão não é, pois, deontológica. A questão é de natureza epistemológica. Tem a ver com as limitações do próprio acto de conhecer e não com qualquer infracção ou desvio das normas, regras e fins que há muito são consensualmente tidas como imperativas na prática jornalistica.
Outra coisa, por exemplo, é a veracidade do jornalista. Esta já depende da vontade, da competência, das condições de trabalho e de muitos outros factores que condicionam a actividade do jornalista. Mas é possível ser verídico, relatar fielmente tudo o que lhe foi dado observar ou conhecer. O que não é possível, repete-se, é aceder aos puros factos. Há sempre necessidade de uma mediação: a interpretação do jornalista. E é também por isso que ele tem sempre que estar em condições de mostrar que foi objectivo e verdadeiro na notícia que deu. Se o deve fazer ou não no interior da própria notícia, depende da natureza da mesma ou do facto relatado ou de muitas outras circunstâncias e ponderáveis razões. Mas não se negue a credibilidade acrescentada que uma notícia angaria junto do leitor, quando, para além da descrição do acontecimento inclui igualmente a indicação da fonte utilizada, a justificação da sua escolha e até as razões da sua idoneidade.
- "O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade"
- "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo"
- "é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui"
Registando a atenção com natural agrado, passo a responder de uma forma mais pormenorizada, coisa que o meu texto inicial não consentia.
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Quanto às minhas duas primeiras frases:
O ContraFactos & Argumentos vem agora (para minha surpresa ) reconhecer que, afinal, as afirmações “O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade" e "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo" são (ou podem ser) verdadeiras no caso da imprensa e da rádio. Só não as considera aplicáveis à televisão. Muito bem. É um problema a menos. Sucede que, mesmo no caso da televisão, embora comece por dizer que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” (um jornalista que transmite imagens? Não sei o que é) acaba por vir a afirmar precisamente o contrário, quando, já a fechar o seu post, escreve: “ Uma nota final sobre o fim do jornalista e a ascensão da câmara de filmar objectiva: até estes equipamentos têm opinião, porque atrás deles está sempre alguém a manobrá-los”. Logo, em vez de ContraFactos temos aqui uma ContraDição, que urge sanar. Entretanto, também não era preciso mostrar-se “mais papista que o papa” ao declarar com todas as letras, que até os equipamentos têm opinião. É que se até os equipamentos têm opinião, imagine-se os jornalistas... (itálico e sublinhado meus).
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Quanto à minha terceira frase:
Aqui o ContraFactos alega que “O jornalista não tem de se bater pela ou demonstrar a sua objectividade, ele deve ser objectivo e verdadeiro perante os factos que relata. A nuance é importante.” E estou plenamente de acordo: a nuance é, de facto, muito importante. Mas, a meu ver, por uma outra razão. É que se o jornalista não tivesse que se bater pela objectividade e pela verdade, então não teria que se justificar nunca perante ninguém. Nem perante as chefias, nem perante o leitor, nem perante si próprio. Mas isso, está bom de ver, seria um meio caminho para a irresponsabilidade. Não basta, pois, que o jornalista escreva: “os factos são estes”. Ou que se limite à sua estrita descrição. É preciso que, ao fazê-lo, possa justificar a sua escolha ou avaliação ou esteja em condições de o fazer. O que requer uma opinião sobre o assunto. E que opinião será essa? Será, naturalmente, a opinião que o guiou nas suas escolhas e nas suas avaliações (dos factos). A sua opinião, portanto.
Contudo, se alguma dúvida persiste quanto a isto, imaginemos agora, por mera hipótese, que as coisas não se passam realmente assim e que, por absurdo, o jornalista consegue enclausurar a sua opinião ou dela prescindir totalmente. Como é que ele vai saber que factos devem ser isolados da realidade contínua e multiforme? E, supondo que acabará por tomar alguma decisão, que garantias tem ele sobre o valor-notícia do acontecimento escolhido? Se não pode contar com a sua opinião como é que ele vai fazer? Atira uma moeda ao ar? Ausculta a opinião de quem estiver por perto? Vai telefonar para a redacção? Ou será que dispõe de um secreto critério científico e universal para seleccionar, interpretar e avaliar os factos com interesse jornalístico? Veja-se a que hipotético ridículo temos que chegar na vã tentativa de esconjurar a opinião do jornalista chamado a relatar um facto.
Mas para além de defender que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” o Contra Factos & Argumentos diz ainda: “Por isso me afasto da presunção de que o jornalista deve retornar ao "mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias" para, precisamente e como refere o jornalista citado no Abrupto, afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. E não restam dúvidas de que temos aqui duas ideias altamente persuasivas que, na sua singeleza epidérmica, eu próprio me apressaria a subscrever. Isso, bem entendido, se o fundo da questão fosse realmente esse. Mas não é.
Refiro-me à ideia de que “o jornalista não deve impôr a sua avaliação da realidade” e àquela outra de que o jornalista “deve afastar a sua opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. A primeira destas ideias, aliás, chega a parecer auto-colante, tal a aceitação geral que de imediato desperta. De facto, quem é que gostaria que, fosse quem fosse, lhe impusesse uma opinião? Isso nem se se pergunta. Porque deveria então ser diferente com um jornalista? Já a segunda ideia aparenta ser mais substantiva apesar do “adorno” lógico em que se encontra envolvida. Explico-me.
É lógico que, no limite, ao leitor interessaria conhecer os factos tal qual o jornalista os conheceu, para então, formar a sua própria opinião. Lógico é. Só que, por um lado, o leitor não é jornalista e por outro, a frase “afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião” não implicita uma questão de lógica mas sim uma questão de verdade ou de correspondência com o real. E o ponto é esse. Seria o ideal poder corresponder a esse interesse do leitor, mas não é possível. Logo, nem o leitor pode pedir o impossível ao jornalista nem este pode oferecê-lo ao leitor. O que este pode esperar e exigir do jornalista é que ele recorra às conhecidas regras (ou procedimentos) de objectividade e isenção. Mas não mais que isso. E isso, não cerceia ou anula a opinião do jornalista. De modo algum. Escusado será dizer, porém, que não se trata aqui de opinião no sentido de comentário ou pública emissão de juízo de valor mas daquela opinião de que o próprio jornalista se serve para poder aferir se está ou não a ser suficentemente objectivo e imparcial.
Muito claro resulta também que o jornalista não tem que impor uma avaliação (opinião). Mas não é esse o problema. O problema é que também não tem que impor um facto. O seu facto. Aquele que ele viu ou viveu (e nao outros). Com a importância e o significado que lhe são por si atribuídos (opinião). Não está em causa a honestidade do jornalista, a sua credibilidade pessoal e profissional ou até o seu sempre possível erro. O que está em causa é saber se é possível algum jornalista reproduzir apenas os meros factos. O que se nega é a crença na apreensibilidade jornalística dos puros factos, uma crença tão ingénua quanto a de supor que a ideologia do jornalista não existe ou não influencia minimamente as suas crenças, os seus relatos, as suas escolhas ou opções. Pior, muito pior do que reconhecer a influência da opinião será, portanto, ocultá-la e fingir que todo o processo de produção da notícia lhe está imune. Isso é que seria um logro.
Não sei como o Contra Factos & Argumentos interpretou esta minha passagem “mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias”. Quando escrevemos, nunca dizemos tudo o que queremos dizer. Mas a vantagem da retórica ou argumentação é essa: sempre podemos aditar, esclarecer ou até reformular um dito mais avulso ou isolado. Vinco, por isso, que o “meu” mundo da opinião e da intersubjectividade não é o chamado mundo do “subjectivismo relativista”. Do mesmo modo, preciso deixar bem claro que a opinião a que me venho referindo, não é a opinião que o jornalista “põe” conscientemente na notícia para lhe dar um certo sentido ou orientação, mas sim aquela que já “lá” está, independentemente da sua vontade. Não é uma opinião explícita e livre. É uma opinião implícita e necessária, sem a qual, não haveria jornalismo. Essa outra opinião que se “põe” num texto com o deliberado fim de “tomar partido” é, como se sabe, a opinião dos chamados comentadores, dos cronistas, dos editorialistas.
A opinião de que falo não é também um “género jornalístico” como o são, a notícia, o editorial, a crónica, a reportagem ou a entrevista. É antes uma figura do pensamento, da memória, da cultura pessoal, algo que tem muito a ver com o conjunto de crenças, de valores, de preferências e visões gerais das coisas, das pessoas e da vida que asseguram a nossa identidade e nos guiam no quotidiano. É-o no sentido em que sempre poderíamos dizer “eu tenho opinião sobre esse assunto” mesmo sem cuidar previamente de saber que assunto seja, pois a cultura e história pessoal de cada um a todos permite, em princípio, exprimir um ponto de vista ou fazer uma apreciação, seja do que for. No mínimo, fazer uma pergunta, que é igualmente, uma forma de opinar.
Quantas vezes começamos a “dizer umas palavras” de improviso, sem sabermos muito bem ainda o que dizer e até acabamos por nos sair bem? É esse o mundo da opinião a que me refiro. Nada de muito rigoroso, nada de muito delimitado, mas suficientemente consistente para nos orientar na construção de um sentido. É essa a opinião que está em causa na conhecida dificuldade em traçar uma clara linha de fronteira entre os factos e a opinião. É dessa opinião que o jornalista não se consegue desvincular e é bom que tenha consciência disso, para poder operar a indispensável descentração. A questão não é, pois, deontológica. A questão é de natureza epistemológica. Tem a ver com as limitações do próprio acto de conhecer e não com qualquer infracção ou desvio das normas, regras e fins que há muito são consensualmente tidas como imperativas na prática jornalistica.
Outra coisa, por exemplo, é a veracidade do jornalista. Esta já depende da vontade, da competência, das condições de trabalho e de muitos outros factores que condicionam a actividade do jornalista. Mas é possível ser verídico, relatar fielmente tudo o que lhe foi dado observar ou conhecer. O que não é possível, repete-se, é aceder aos puros factos. Há sempre necessidade de uma mediação: a interpretação do jornalista. E é também por isso que ele tem sempre que estar em condições de mostrar que foi objectivo e verdadeiro na notícia que deu. Se o deve fazer ou não no interior da própria notícia, depende da natureza da mesma ou do facto relatado ou de muitas outras circunstâncias e ponderáveis razões. Mas não se negue a credibilidade acrescentada que uma notícia angaria junto do leitor, quando, para além da descrição do acontecimento inclui igualmente a indicação da fonte utilizada, a justificação da sua escolha e até as razões da sua idoneidade.
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