14 fevereiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (171)

Uma coisa é a convicção com que o orador argumenta, outra, que pode ser bem diferente, é a convicção com que o auditório cimenta as suas crenças, os seus valores ou a que nele se forma sobre a pertinência e adequação dos argumentos que lhe são apresentados. Ora esta última terá sido praticamente ignorada por Perelman, facto tanto estranho quanto se tenha presente a sua própria recomendação de que o orador deve adaptar-se ao auditório (como veremos no capítulo seguinte). É que implicando tal adaptação uma prévia selecção das premissas já aceites para a partir delas se justificar uma proposta ou conclusão, bem como a constante atenção do orador às sucessivas reacções daqueles a quem se dirige, como permanecer alheio à convicção com que o auditório perfilha tais crenças e valores ou até mesmo ao convencimento que nele se produz durante o desenvolvimento da argumentação? Cremos, por isso, que, ao nível do respectivo processo de comunicação, Perelman deu o maior relevo à convicção do emissor, mas descurou sistematicamente o papel que a convicção do receptor exerce na orientação e sentido do próprio acto de adesão.