11 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (165)

(...) É certo que “toda a argumentação que visa somente um auditório particular oferece um inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se adapta ao modo de ver dos seus ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas, ou mesmo francamente opostas, ao que admitem outras pessoas que não aquelas a que, naquele momento, ele se dirige” (1). Mas não é o próprio Perelman quem, sem qualquer reserva, afirma que “é , de facto, ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores”? (2) E como conciliar a imposição racional do auditório universal (3) com a tolerância de situações em que a adesão do auditório se fica a dever à utilização de premissas cuja validade não é reconhecida pelo orador? Ainda que pareça algo estranho e incoerente, é o que Perelman faz quando refere, a certa altura, na sua obra Retóricas: “É possível, de facto, que o orador procure obter a adesão com base em premissas cuja validade ele próprio não admite. Isto não implica hipocrisia, pois o orador pode ter sido convencido por argumentos diferentes daqueles que poderão convencer as pessoas a quem se dirige” (4). (...)

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(1) Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca, L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 34

(2) Ibidem, p. 27

(3) Ou do modo como o orador o imagina

(4) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 71