03 maio 2004

UBI et Orbi - Breves notas sobre o VI SOPCOM (4)

O DISCURSO DO CONGRESSO

O discurso que o Prof. António Fidalgo, da UBI, proferiu na sessão de abertura do III SOPCOM não deixou ninguém indiferente. Durante os quatro dias que durou o evento, não se falava de outra coisa nos intervalos das respectivas sessões temáticas. O presidente do congresso fora muito oportuno, frontal e certeiro – dizia-se.

Confesso, por isso, que foi com muita estranheza que tomei conhecimento dos comentários que António Granado fez no seu post de 22 de Abril (que aqui já reproduzi), nomeadamente quando, a propósito do modo como o presidente do Congresso se referiu à recente avaliação dos centros de investigação na área das ciências da comunicação, afirma:

* apesar de respeitar muito o António Fidalgo não posso estar em mais desacordo com ele

* ao salientar que as classificações dadas não foram as esperadas

* Se os investigadores portugueses não conseguem publicar em revistas internacionais, nem atingir os patamares da ciência a sério, não é mudando os critérios de avaliação e escolhendo uns amigos para nos avaliar que alguma vez conseguiremos atingir a excelência

Com a devida vénia pela imitação do estilo, devo também dizer que apesar de respeitar muito o António Granado, não posso estar mais em desacordo com ele. E vejamos porquê:


1) Porque não se percebe onde está afinal o seu desacordo

A verdade é que do confronto do discurso do Prof. António Fidalgo com os comentários críticos de António Granado não transparece a existência de qualquer desacordo entre ambos. Ou seja: não há uma única afirmação contida no discurso do Prof. António Fidalgo que tenha sido contraditada por António Granado. O que, por si só, parece desqualificar a própria crítica ou discordância.


2) põe palavras na boca do presidente do congresso que ele não proferiu

É o caso da passagem em que refere ou insinua que o Prof. António Fidalgo terá salientado que as classificações não foram as esperadas, quando o que o presidente do congresso disse foi, mais exactamente, que, comparando o que se passa na Filosofia ou na Linguística com a situação dos centros de investigação nas Ciências da Comunicação o quadro não é favorável, sobretudo se atendermos à classificação obtida. Ora da afirmação de que o quadro não é favorável, sobretudo, se atendermos à classificação obtida não se segue que as classificações foram inesperadas ou que como tal tenham sido consideradas.


3) a sua crítica errou o alvo

De facto, quando António Granado, adianta que Se os investigadores portugueses não conseguem publicar em revistas internacionais, nem atingir os patamares da ciência a sério, não é mudando os critérios de avaliação e escolhendo uns amigos para nos avaliar que alguma vez conseguiremos atingir a excelência está, em abstracto, a fazer comentários muito pertinentes (sem conceder que a publicação em revistas internacionais seja critério único do rigor científico) mas que, em concreto, se mostram inteiramente desajustados ao alvo da sua crítica e por duas principais razões.

Primeiramente, porque o Prof. António Fidalgo, no seu discurso, não se referiu sequer à (polémica) publicação internacional de artigos científicos, nem à nebulosa concepção de “ciência a sério” (seja lá isso o que for), nem muito menos aos critérios de avaliação a seguir pelo respectivo júri de apreciação dos respectivos centros de investigação. Isso são outros tantos temas, qual deles o mais interessante, mas que não foram objecto do discurso em causa. E nem o livre exercício crítico permite que se responsabilize alguém por aquilo que não afirmou.

Em segundo lugar, porque quando António Granado diz - a propósito do discurso do Prof. António Fidalgo - que não é mudando os critérios de avaliação e escolhendo uns amigos para nos avaliar que alguma vez conseguiremos atingir a excelência deixa no ar, ainda que involuntariamente, a insuportável ideia de que foi isso que o presidente do congresso defendeu no seu discurso (o que é falso) e, consequentemente, a possibilidade do Prof. António Fidalgo alguma vez recorrer a tal expediente, ideia que, como é óbvio, só poderia passar pela mente de quem não o conhecesse. E sei que esse não é o caso do António Granado. Logo, a frontalidade da sua crítica, sendo de saudar, não chega, contudo, para justificar tamanho desacerto e injustiça.