28 março 2005

Crença & Estilo

"Ao ouvir isto, foi como se tivesse sido pessoalmente atingido por uma palavra profética, por um relâmpago de evidência espiritual. Pois claro! - saltei eu, interiormente (...)" - diz o Prof. Mário Pinto, neste seu artigo, no Público de hoje.

Tocado pelo estilo grandiloquente - a fazer lembrar as famosas hipotiposes (*) de Vieira - não resisti a interrogar-me: que coisa tão inaudita teria ouvido o professor, a ponto de lhe provocar toda esta iluminação e entusiasmo? A avaliar pelo "salto" (interior, bem sei) teria sido, pelo menos, algo de verdadeiramente surpreendente...

Fiquei, por isso, bastante desapontado, quando percebi que, afinal, a "efusiva" reacção do professor se ficou a dever apenas ao facto do cardeal patriarca D. José, em recente entrevista à Rádio Renascença, ter "contornado" a pergunta "qual é a qualidade que mais deseja para o próximo Santo Padre?" com a singela resposta: "que seja um grande crente".

Mas onde está a admiração? Não é isso que se espera (no caso) de todos os católicos? Com o devido respeito, tenho, aliás, sérias dúvidas de que a um bom Papa baste ser "um grande crente". Mas isso já é outro assunto. O que por agora pretendo sublinhar é que, quando as palavras se mostram francamente excessivas em relação aos factos que descrevem, não há estilo (nem crença) que nos salve e o efeito no leitor... vira-se do avesso.


(*) HIPOTIPOSE: figura de retórica que consiste em expor as coisas de maneira tal que as situações ou os factos descritos parecem desenrolar-se sob os nossos olhos.