17 maio 2005

Excertos de um livro não anunciado (233)

Nestes termos, a concepção interrogativa não só pode aspirar à elaboração de uma teoria completa da argumentação como “permite compreender uma oposição entre dois usos da retórica: aquele que visa manipular os espíritos e aquele que, pelo contrário, torna públicos os procedimentos da primeira, e de um modo mais geral todos os mecanismos da inferência não-lógica” (*). Por isso a retomaremos no próximo capítulo a propósito do possível uso da retórica como instrumento de manipulação ou engano. Por agora, detenhamo-nos um pouco mais sobre o bom uso da retórica, ou seja, aquele que permite aos homens exercer em plena consciência o seu sentido crítico e o seu juízo. Uma retórica que promove “(...) o encontro dos homens e da linguagem na exposição das suas diferenças e das suas identidades. Eles afirmam-se aí para se encontrarem, para se repelirem, para encontrarem um momento de comunhão ou, pelo contrário, para evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa” (**). É que, como sublinha Meyer, se há uma constante na relação retórica ela é, desde sempre, a das relações entre os sujeitos, o que, pressupondo a existência de um locutor e um interlocutor (ou auditório), prefigura uma dinâmica argumentativa cuja especificidade mais notória será o papel que nela desempenham as subjectividades.


(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 46

(**) Idem, p. 26