08 setembro 2005

Senectude versus Juventude

"A juventude é tempo, não é virtude" - assim titulava Manuel António Pina a sua crónica de ontem, no JN, confessadamente inspirado na sentença que um dia O'Neil ditou: "Senectude é tempo, não é virtude".

No texto, fica bem claro o que cronista quer: quer defender Mário Soares daqueles que apontam os seus oitenta anos como factor impeditivo da candidatura à Presidência da República. E fá-lo com a habitual acutilância, procurando sempre chamar os nomes às coisas. Depois de denunciar a falta de moral de muitos dos que criticam a idade de Soares mas que noutras ocasiões são os primeiros a “bajular os idosos e a apelar ao seu voto”, sustenta que a ideia de que os mais velhos servem “para votar mas não para ser eleitos” em muito se ficará a dever ao culto da imagem e da novidade que atravessa o nosso tempo. E remata com um “Nunca como agora se viram tantos velhos de 30 40 anos”, numa aparente alusão à eventual “juventude” de Mário Soares.

Também não creio que a idade avançada (porque é disso que se trata) de um candidato à Presidência da Republica seja um factor impeditivo da sua candidatura ou sequer relevante para a respectiva apreciação política. Tanto mais quando se trata do titular de um alto cargo que, no seu exercício, contará com um batalhão de assessores e especialistas. Assim, do ponto de vista do esforço físico, um Presidente da Republica não faz: manda. Logo, no caso de garantida boa saúde física e mental, como penso ser o caso de Mário Soares, a idade não deve para aqui ser chamada. Mas por estas (e outras) razões e não por aquelas a que o título da crónica alude, o qual, embora muito poético e persuasivo, não possui o menor fundamento lógico-argumentativo. Tanto que, se fosse levado à letra, tornar-se-ia caricato. Ora vejamos:

Juventude é tempo, não é virtude (afirma Pina)
Senectude é tempo, não é virtude (escreveu O’Neil).
Logo, Juventude e Senectude são tempo(s), não são virtudes

De onde resulta que Juventude e Senectude seriam a mesma coisa, seriam tempo. Quer dizer: seriam iguais. Mas não são, claro. É aqui que toda a persuasão se desmorona e ficamos perante o mais radical limite da retórica: ou a palavra diz a realidade ou a realidade denuncia-a.