27 novembro 2005

A conversa dos programas de conversa

A 27 de Fevereiro passado, estreava na RTP1 o programa "Escolhas de Marcelo" com o figurino que ainda hoje mantém. E logo no dia seguinte escrevi:

Não gostei de Ana Sousa Dias, porque foi uma sombra da magnífica jornalista e entrevistadora que já todos conhecemos. A culpa maior terá sido do professor que quase não lhe deixou abrir a boca de tão entusiasmado que estava com aquilo que tinha para dizer. (…) vale tudo, menos o que se viu nesta primeira "aparição": a jornalista a perguntar e a fazer observações (pertinentes), e o "entrevistado" a fugir às perguntas ou a ignorar as observações, quem sabe, até, a fingir que não as ouviu.

Ao princípio ainda seguia o programa mas confesso que acabei por lá não voltar a partir do momento em que percebi que aquele formato era para manter. E parece que percebi bem, porque nove meses depois constato que nada mudou, a avaliar pela crítica que Pedro D'Anunciação lhe faz nesta última edição do Expresso:

"No que Marcelo perdeu realmen­te foi no formato, de que faz parte Ana Sousa Dias. Eu diria até que quem perde mais é ela, Ana Sousa Dias, que construiu uma reputação de boa entrevistadora, num público mais exigente e reduzido, deixa ruir aqui essa reputação, perante audiên­cias alargadas. O seu papel, no progra­ma, é permitir que Marcelo possa fa­lar desembaraçadamente, sem ter de olhar para a câmara. Percebe-se que os temas não são escolhidos por ela, e as próprias perguntas obedecem a orientações claras do professor. Por vezes, Ana procura meter uma colhe­rada, afirmando a sua visão mais à es­querda. Mas ele ignora-a quase sem­pre, deixando no espectador apenas a ideia de uma interrupção inoportu­na e sem importância."


E, realmente, o que mais surpreende é esta posição de Ana Sousa Dias a qual, recorde-se, cedo declarou ao DN (01.03.2005) que não partilhava da satisfação de Marcelo, que não era assim que devia fazer e que o programa teria que ser afinado. Foi mesmo ao ponto de anunciar: "Se ao fim de dez [programas] não tiver encontrado o tom, vou-me embora." Ora não vejo o que terá mudado no seu tom desde essa altura até agora.

Pode acontecer que a Ana tenha acolhido de braços abertos o que Judite de Sousa disse há alguns meses atrás (em 05.07.2005), no "Clube de Jornalistas", ou seja, que estes programas não tratam de jornalismo mas sim de opinião e que consistem numa conversa e não propriamente numa entrevista. Mas para além da questão de se saber se a participação de jornalistas neste tipo de eventos televisivos (e em tais moldes) é ou não compatível com os deontológicos (e éticos) princípios de isenção, rigor e independência, há que reconhecer o seguinte:

1.º Nem a opinião fica do lado de fora do jornalismo (porque opinião nao é subjectivismo) nem os programas em questão visam dar a conhecer a opinião das duas jornalistas mas sim a opinião dos seus "entrevistados". É a opinião destes últimos que conta e não a das jornalistas. Como, de resto, em qualquer entrevista.

2.º Até que ponto esta moda de colocar jornalistas a "conversar" com notáveis políticos e comentadores (em alternativa às clássicas entrevistas) não fará a "conversa" emergir como novo género jornalístico?

3.º Se o programa conduzido por Judite de Sousa ainda se poderia confundir com uma "conversa" (pelo recurso ao principio da caridade interpretativa), já no programa da Ana Sousa Dias o que salta aos olhos de toda a gente é que Marcelo Rebelo de Sousa quer pouca conversa. Sendo assim, o que fica lá a Ana a fazer?

Que grande conversa.