26 novembro 2005

A denegada retórica de Cavaco

Cavaco Silva fez ontem, no Porto, estas duas afirmações de carácter eminentemente retórico:

Afirmação A:


A gente do Porto não é gente de se deixar enganar, sabe bem que candidatos defendem a verdadeira justiça social e igualdade de oportunidades, não tendo todos os dias palavras vazias e retórica na boca

Afirmação B:


Não costumo pronunciar-me sobre declarações dos que foram meus colaboradores no Governo e, por alguma razão, tiveram que ser afastados

(Sublinhados meus)


Se na primeira das afirmações (A) já é evidente que só através de outra retórica consegue censurar a retórica na boca (a gente do Porto não é gente de se deixar enganar, sabe bem que... etc. etc.) é especialmente na segunda (B) que Cavaco se revela, afinal, um exímio praticante na arte que publicamente tanto tem denegado. E senão vejamos. Repare-se no mortífero efeito retórico desta última afirmação (B) que, não fora a intenção manifestamente retórica de Cavaco, não precisaria de ir além da sucinta frase: Não costumo pronunciar-me sobre declarações dos que foram meus colaboradores de Governo. Estava o recado dado. Cavaco deixaria assim apenas uma ideia muito geral de que as críticas de quem tenha participado nos seus governos são, até certo ponto, naturais e, por isso mesmo, não podem ser levadas muito a sério.

Mas ao acrescentar aquela "venenosa" parte final e, por alguma razão, tiveram que ser afastados, Cavaco passou nitidamente ao ataque, ou se se quiser, deu a resposta que começara por negar. De uma penada, não só lembra que Cadilhe foi afastado como adianta que o foi porque tinha que ser. Ora isto de se ser afastado porque teve que ser, regra geral, não é orgulho para ninguém, pior ainda, se for notícia de jornal.

Em resumo:

a) quando Cadilhe desferiu um ataque à pessoa de Cavaco, comparando-o a um eucalipto, não imaginava, por certo, que ainda levaria com esse mesmo eucaplipto na cabeça como, metaforicamente, veio a acontecer.

b) veja-se como uma tão curta afirmação retórica (a de Cavaco) pode destruir o efeito persuasivo de uma entrevista inteira (a de Cadilhe).

c) a retórica de Cavaco, ainda que denegada, revelou-se mais eficaz do que a de Cadilhe.

Publicado n'O Eleito.