18 fevereiro 2006

A retórica do médio e longo prazo

O expediente generalizou-se. Todas as nossas esperanças estão a prazo. A médio ou longo prazo, para ser mais exacto. Ao princípio era na bolsa, no banco ou nos seguros onde, por exemplo, todas as minhas tentativas de fazer render um pouco mais algumas parcas moedas, eram piedosamente recebidas com a mais sagrada informação técnica: "como deve compreender, este seu investimento só é verdadeiramente rentável a médio e longo prazo". Leia-se: "se queres ganhar algum tens que, de uma vez por todas, dizer adeus ao teu rico dinheirinho". Temendo não aguentar as saudades, recuei. E, definitivamente, desisti de ser rico.

Mal sabia na altura que essa maldita coisa do médio e longo prazo acabaria por se espalhar pela sociedade e invadir até a própria esfera governativa do país. Porque foi precisamente desta lenga-lenga do médio e longo prazo que me recordei ontem quando à hora do almoço assistia na SIC à entrevista do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e do Presidente do ICEP. Que coisa mais confrangedora. O jornalista bem tentava obter uma informação, um esclarecimento, um compromisso. Mas nada. Tudo o que conseguia arrancar de um e de outro dos entrevistados era, invariavelmente, uma "boa" justificação para os factos negativos com que os ia confrontando. E agora? Qual a evolução que podemos esperar para os próximos tempos? Quando vamos subir as exportações? Quando vamos baixar a actual taxa de desemprego no país? – perguntava o entrevistador. As respostas não se fizeram esperar. Cada um na sua vez, os entrevistados lá foram alertando com o ar mais sério deste mundo que só se pode resolver tais problemas numa óptica de médio e longo prazo mas que o que é importante é que já foram dados e continuarão a ser dados passos seguros para a sua resolução.

Ainda não me tinha refeito desta estereotipada retórica do médio e longo prazo quando ao fim do dia oiço na rádio o Ministro da Saúde a esclarecer que afinal aquele novo modelo de financiamento do SNS a que se referiu, não é para aplicar imediatamente. A ideia é apenas preparar o futuro pois
a longo prazo é preciso pensar em novas formas de financiamento. A longo prazo? Mas como é possível esperar pelas soluções a médio e longo prazo, se os problemas já chegaram?