09 abril 2006

Pedro Mexia, o Sexo e a Cidália


Quem valoriza excessivamente a literatura como documento manifesta mais interesse pelo mundo do que pela literatura - sentencia Pedro Mexia, na revista NS, do JN. A (sua) ideia é a de que, na literatura, a correspondência da escrita com a realidade ou com o vivido, é apenas um caminho possível já que muita da grande literatura nasceu da imaginação ou da fantasia. E, lembra, a propósito, que muitos escritores, nomeadamente dos géneros mais radicais, não viveram nada do que escreveram. Sade, por exemplo, terá sido razoavelmente libertino, mas nada que se compare aos infernos sexuais que deixou associados ao seu nome.

Foi com este sugestivo exemplo ainda na memória que meia dúzia de páginas à frente me detive naquela croniqueta semanal “O Sexo e a Cidália”, onde anónima autora (ou autor, sabe-se lá…) nos vem apresentado o repertório das suas mais ou menos atribuladas “vivências” sexuais. Num estilo muito “terra-a-terra”, como convém, aí temos o relato de peripécias, devaneios e gozos vários, uma espécie de blogue íntimo no qual podemos espreitar as mil e uma experiências sexuais ou para-sexuais da sua autora (sem grandes excessos de linguagem, já se vê). Esta semana conta-nos que foi jantar com mais um sujeito – “um amigo de uma amiga” - e que, findo o repasto, os dois já bem bebidos, rumaram a casa dela. É aqui que reencontramos a “escritora” Cidália no seu melhor:

Sobe, disse-lhe eu. E ele de mãos nos bolsos de trás dos jeans, sorriu como se lhe tivesse dado uma guloseima.

Nunca saberemos para onde é que a Cidália queria que o desgraçado subisse nem quais as suas reais intenções. Mas também não importa porque, entretanto, a crónica chegou ao fim. O que parece interessante realçar é que, na linha do que Mexia defende, as pessoas não têm que limitar a sua escrita ao que conhecem e muito menos ao que vivem. A realidade é o que é e, como tal, não pode escapar à literatura. Mas esta ocupa-se também da realidade que já foi, assim como da que não é mas poderia ter sido e até da que ainda poderá vir a ser. Literatura (com L grande ou l pequeno, dá no mesmo) carece sempre de uma certa dose de fantasia. Daí que as mais loucas aventuras da Cidália possam muito bem não passar de puro exercício de imaginação. Desde logo porque a escrita não tem que ser o espelho da experiência. Mas, sobretudo porque, como diz Mexia, Escrever é uma modalidade de viagem, e é natural que queiramos viajar por sítios onde nunca fomos. Ora aí está: não sei porquê mas palpita-me que é esse o caso da Cidália…