19 agosto 2006

A retórica da "verbosidade mínima"

Estaremos de acordo: entre um interlocutor tão lacónico que nada de seguro nos permite concluir e um picareta-falante que se repete até à (nossa) exaustão, venha o diabo e que escolha. Mas também não é fácil decidir a priori as exactas palavras que exactamente diriam o que se quer dizer. Parece defensável, por isso, que a sensibilidade a tão humana dificuldade comunicacional nos deva imbuir de alguma tolerância receptora, ao invés de nos atirar para o exagero da deliciosa história que o Paulo Cunha Porto hoje nos conta no seu cada vez mais necessário Misantropo Enjaulado. Destaco aqui apenas as palavras que o "magistrado" dirigiu ao "diplomata", mas todo o post é, em si mesmo, imperdível:

«era supérfluo dizer que o saco estava vazio, por ser coisa que todos viam, bem como a exortação a que o enchessem, porque não podia ser outro o sentido da apresentação de tal objecto naquela reunião».«Para a próxima vez, menos palavreado!».

Esta história remete-nos para um certo tipo de discurso retórico muito frequente, ainda hoje, na nossa vida pública. Repare-se na quantidade de palavras a que o magistrado teve de recorrer para censurar a tão despojada expressão do diplomata «Está vazio. Enchei-o!». E tudo isso somente para declarar que era tão supérfluo dizer que o saco estava vazio, "por ser coisa que todos viam" como exortar a que o enchessem "porque não podia ser outro o sentido" da sua apresentação. Ou seja, o diplomata deveria apenas ter mostrado o saco e ficar de bico calado.


Só que se tudo era assim tão evidente, de bico calado deveria ter ficado igualmente o juiz, pois, como se sabe, o que é evidente não carece de ser argumentado. Repito: a história é óptima. Mas, concluindo, diria que o seu principal protagonista - o magistrado - não figura bom exemplo para os nossos deputados. Se há coisa que estes já fazem e com o maior sucesso, é condenar os vícios... dos outros. Não lhe parece, caríssimo Paulo?