22 março 2007

Excerto de um livro não anunciado (370)

A mesma indeterminação ou ambiguidade pode ser detectada ao nível da linguagem e demais recursos persuasivos, pois a estreita vizinhança das técnicas discursivas presentes tanto na retórica como na hipnose leva a que, em cada uma, seja frequente a utilização de procedimentos mais conotados com a outra. É o caso, por exemplo, da metáfora. Tradicionalmente associada à retórica, ela surge também como recurso hipnoterapêutico tão valioso que Bertoni, psiquiatra e investigador associado ao Grupo de investigadores sobre comunicações, da Universidade de Nancy, não hesita em dizer: “nada melhor do que a metáfora permite esclarecer-nos sobre as crenças, os desejos, as intenções que presidem às relações que o paciente mantém com o mundo...” (*). A utilização da metáfora na hipnose vai, contudo, muito para além desta sua função hermenêutica. O facto de a indução hipnótica se apoiar num específico uso da linguagem que, seguindo a terminologia de Austin, poderemos descrever como uma série de actos perlocucionais, faz com que o dizer do hipnotizador se assuma, ao mesmo tempo, como um fazer, um actuar sobre a radical interioridade do paciente, que o mesmo é dizer, sobre a esfera mais básica e essencial da sua vivência. Além disso, o discurso do hipnotizador, os seus comandos, as suas sugestões, apelam para o novo, para uma mudança cujos efeitos são por ele antecipadamente anunciados, mas que o paciente verdadeiramente só reconhecerá depois de os experienciar. E é esta remissão para o domínio do vivo e do novo que a expressão literal se mostra incapaz de efectuar. Ora, como se sabe, a metáfora acrescenta sempre um mais de sentido do que o faria a correspondente expressão literal, já que, como refere Innerarity, ela “mostra o indizível enquanto indizível na sua radical singularidade” (**).

(*) N. Bertoni, "La métaphore en hypnothérapie des maladies psychosomatiques", in Didier Michaux, (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, p. 156

(**) Daniel Innerarity, (1996), A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., p. 78