10 outubro 2007

Para ler em voz alta

No seu artigo no Público do passado domingo, António Barreto transcreve parte de um despacho normativo do secretário de estado Walter Lemos (Educação) que, lido em voz alta - como o próprio António Barreto sugere - pode até competir com os melhores textos do “Gato Fedorento”. Mesmo numa versão ainda mais reduzida, façam a experiência e digam depois qualquer coisa, isto, bem entendido, se tiverem fôlego para chegar ao final. Ora aqui vai:

“A existência de constrangimentos na operacionalização do regime de permeabilidade estabelecido pelo Despacho n. 014387/2004 (2.ª Série), de 20 de Julho, bem como os ajustamentos de natureza curricular efectuados nos cursos científico-humanísticos criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, implicaram a necessidade de se proceder ao reajuste do processo de reorientação do percurso escolar do aluno no âmbito dos cursos criados ao abrigo do mencionado Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março.
Desta forma, o presente diploma regulamenta o processo de reorientação do percurso formativo dos alunos entre os cursos científico-humanísticos, tecnológicos, artísticos especializados no domínio das artes visuais e dos audiovisuais, incluindo os do ensino recorrente, profissionais e ainda os cursos de educação e formação, quer os cursos conferentes de uma certificação de nível secundário de educação, quer os que actualmente constituem uma via de acesso aos primeiros, criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 0272/2007, de 26 de Julho, e regulamentados, respectivamente, pelas Portarias n.º 550-D/2004, de 22 de Maio, alterada pela Portaria n.º 259/2006, de 14 de Março, n.º 550-A/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 260/2006, de 14 de Março, n.º 550-B/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 780/2006, de 9 de Agosto, n.o 550-E/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 781/2006, de 9 de Agosto, n.º 550-C/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 0797/2006, de 10 de Agosto, e pelo Despacho Conjunto n.º 0453/2004, de 27 de Julho, rectificado pela Rectificação n.º 1673/2004, de 7 de Setembro.

Assim, nos termos da alínea c) do artigo 4.º e do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 272/2007, de 26 de Julho, determino (…)”

Do ponto de vista retórico, a invocação de um tal chorrilho de decretos, portarias, despachos, rectificações e mais rectificações de rectificações indicia, desde logo, um total desrespeito pelos legítimos interesses e expectativas do respectivo auditório (professores, alunos, pais dos alunos e, enquanto cidadãos, todos nós, afinal), o que, só por si, já suportaria veemente censura. Mas é ainda Barreto que vai ao fundo da questão quando nos convida a meditar "na forma mental, na ideologia e no pensamento que inspiram este despacho" para compreendermos "as razões pelas quais chegámos aonde chegamos". Nisso sim, valerá a pena pensar seriamente. Antes que seja tarde.