14 agosto 2004

Como avaliar "o nosso primeiro"?

É cada vez mais difícil avaliar um político por interposta pessoa. Só que a factualidade política mostra-se tão profusa, tão complexa e, não raramente, tão obscura, que quem para sobreviver precise de fazer algo mais do que análise política, outro remédio não tem senão o de procurar neste ou naquele órgão de informação a opinião que, digamos assim, emerge do saber especializado. É esse o drama do nosso tempo e um dos principais ónus da democracia: termos que formar e emitir opinião (ou expressá-la pelo voto) mesmo sobre aquilo de que pouco ou nada sabemos. Precisamos por isso, de auscultar o que pensam os especialistas. E de confiar neles. Trata-se aqui, em grande parte, daquela confiança nos sistemas periciais a que alude Giddens, ou seja, de uma confiança que assenta apenas na vaga e parcial percepção do conhecimento neles incorporado, no dizer do conhecido sociólogo, "algo que eu próprio não posso, em geral, verificar de maneira exaustiva"(*). É assim na medicina, na genética, na robótica, na física ou na matemática e não poderia deixar de ser do mesmo modo também na economia, na sociologia e na política. Contudo, no caso da política portuguesa, parece que pouco adianta consultar os peritos na matéria. Porque se dois políticos tão credenciados e ambos do mesmo partido (já agora, também da mesma tendência interna), que publicamente dão mostras de uma grande solidariedade politico-ideológica - nomeadamente, ao nível dos grandes princípios éticos e demais valores que devem nortear a acção politica - avaliam de maneira tão diferente o nosso actual primeiro-ministro, a que conclusão poderá chegar o vulgar cidadão que, regra geral, só de longe, muito longe, pode seguir o desempenho dos seus governantes? É esta a pergunta que levanto a mim próprio quando, depois de ter visto Pacheco Pereira ao longo das últimas semanas dizer tão mal de Santana Lopes, dou com Rui Rio a afirmar em entrevista à "Visão" desta semana: "Só posso dizer bem de Santana".


(*) Giddens, Anthony (1996), Consequências da Modernidade, Oeiras: Celta Editora, p. 19