Vem aí a imortalidade?
Como refere a "Visão" desta semana, Ray Kurzweil - um dos mais respeitados cientistas em inteligência artificial e Tierry Grossman - especialista em longevidade humana, acabam de publicar este surpreendente livro onde defendem que já a partir de 2020 o homem poderá aspirar ao rejuvenescimento e até, imagine-se, a viver para sempre.
Viver para sempre? Lê-se e não se acredita. Até porque se há alguma coisa garantida na vida, diz-se, é a de que "da morte ninguém nos livra". A morte sempre foi e continua a ser representada como absolutamente inevitável. Logo, isto de a morte poder vir a acabar dentro de duas dezenas de anos, mais parece uma piada de mau gosto.
E contudo, já Hans Jonas (1) reflectia sobre a possibilidade do progresso técnico-científico nos vir um dia a conduzir à imortalidade. Teve, é certo, o cuidado de alertar que se tratava apenas de uma das meras hipóteses que o actual ritmo de desenvolvimento científico impõe ao nosso pensamento. Mas logo acrescentou que o facto de tais ideias terem ascendido à dignidade de hipóteses já nos devia merecer a devida preocupação.
Em 2004, eu mesmo escrevi (2): "no mundo de hoje (...)os extraordinários progressos da biologia molecular, prometem (ou ameaçam?) fazer dissipar essa inevitabilidade da morte, prolongando e talvez até alargando indefinidamente a expectativa de vida, pela neutralização dos processos biológicos de envelhecimento. A morte surgiria assim já não como uma fatalidade própria da nossa natureza, mas como uma disfunção orgânica evitável ou, pelo menos, controlável, a ponto de permitir o seu adiamento."
O que Kurzweil e Grossman nos vêm dizer agora é que, dentro de alguns anos, a morte poderá não apenas ser adiada como evitada. Verdade ou ficção, em breve se saberá. Já conhecido é o facto deste tipo de profecias científicas tão pouco usuais entre os cientistas, ser muito frequente em Ray Kurzweil, cientista e tecnólogo agraciado pelo governo americano com a Medalha Nacional de Tecnologia 1999 cujo enorme optimismo quanto ao futuro do progresso tecno-científico pode ser facilmente avaliado pelo título que deu ao seu anterior livro "The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence" (1999).
Mas as profecias parecem mais ajustadas à astrologia sentimental do que à ciência propriamente dita. Logo, é natural que suscitem alguma reserva ou até a total incredulidade. O problema é que "a maioria dos argumentos que apresenta parecem ser convincentes, todos o reconhecem como um génio em inteligência artificial e é respeitosamente reconhecido na própria comunidade científica. O suficiente, parece-nos, para nos interrogarmos: será ele que é demasiado optimista ou nós que insistimos num ignorante cepticismo?" (3)
1) Jonas, Hans, (1994), ÉTICA, MEDICINA E TÉCNICA, Lisboa: Vega, p. 48
2) Sousa, Américo, (2004), O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO, Porto: Estratégias Criativas, p. 47
3) Ib., p. 102
Viver para sempre? Lê-se e não se acredita. Até porque se há alguma coisa garantida na vida, diz-se, é a de que "da morte ninguém nos livra". A morte sempre foi e continua a ser representada como absolutamente inevitável. Logo, isto de a morte poder vir a acabar dentro de duas dezenas de anos, mais parece uma piada de mau gosto.
E contudo, já Hans Jonas (1) reflectia sobre a possibilidade do progresso técnico-científico nos vir um dia a conduzir à imortalidade. Teve, é certo, o cuidado de alertar que se tratava apenas de uma das meras hipóteses que o actual ritmo de desenvolvimento científico impõe ao nosso pensamento. Mas logo acrescentou que o facto de tais ideias terem ascendido à dignidade de hipóteses já nos devia merecer a devida preocupação.
Em 2004, eu mesmo escrevi (2): "no mundo de hoje (...)os extraordinários progressos da biologia molecular, prometem (ou ameaçam?) fazer dissipar essa inevitabilidade da morte, prolongando e talvez até alargando indefinidamente a expectativa de vida, pela neutralização dos processos biológicos de envelhecimento. A morte surgiria assim já não como uma fatalidade própria da nossa natureza, mas como uma disfunção orgânica evitável ou, pelo menos, controlável, a ponto de permitir o seu adiamento."
O que Kurzweil e Grossman nos vêm dizer agora é que, dentro de alguns anos, a morte poderá não apenas ser adiada como evitada. Verdade ou ficção, em breve se saberá. Já conhecido é o facto deste tipo de profecias científicas tão pouco usuais entre os cientistas, ser muito frequente em Ray Kurzweil, cientista e tecnólogo agraciado pelo governo americano com a Medalha Nacional de Tecnologia 1999 cujo enorme optimismo quanto ao futuro do progresso tecno-científico pode ser facilmente avaliado pelo título que deu ao seu anterior livro "The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence" (1999).
Mas as profecias parecem mais ajustadas à astrologia sentimental do que à ciência propriamente dita. Logo, é natural que suscitem alguma reserva ou até a total incredulidade. O problema é que "a maioria dos argumentos que apresenta parecem ser convincentes, todos o reconhecem como um génio em inteligência artificial e é respeitosamente reconhecido na própria comunidade científica. O suficiente, parece-nos, para nos interrogarmos: será ele que é demasiado optimista ou nós que insistimos num ignorante cepticismo?" (3)
1) Jonas, Hans, (1994), ÉTICA, MEDICINA E TÉCNICA, Lisboa: Vega, p. 48
2) Sousa, Américo, (2004), O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO, Porto: Estratégias Criativas, p. 47
3) Ib., p. 102
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