17 maio 2005

Eu vou ser muito breve

Na sua última crónica, na Visão, Ricardo Araújo Pereira analisa com insuperável humor o caricato caso daqueles ouvintes que telefonam para um programa de opiniões sem ter opinião nenhuma. E dá mesmo um exemplo retirado do Forum TSF que é, como se sabe, moderado pela quase evangélica paciência de Manuel Acácio:

Ouvinte:
-Ó sr. Manuel Acácio, eu vou ser muito rápido, muito conciso e muito breve. E, pelo sim pelo não, vou ser um bocadinho sintético, também. Porque há ouvintes que ligam para cá e perdem-se em prolegómenos e contextualizações que não servem para nada, em vez de irem ao cerne da questão e deixarem falar os outros, que também têm direito. Fica uma pessoa às vezes horas e horas à espera que uma palerma qualquer esteja para aqui a desbobinar um grande relambório sem interesse algum. Isto é como diz o outro: eles falam, falam, e não dizem nada, não é?.(pausa) Estou?

Manuel Acácio:
-Sim, estamos a ouvi-lo.

Ouvinte:
-Ah. É que por momentos fiquei sem sinal. Capaz de ser do telefone, ou assim. Já me tem acontecido o mesmo em conversa com malta amiga. Estes telefones novos... Dava um tema para o vosso programa, um dia destes. Ora bem, é a segunda vez que participo no Forum TSF...Ou é a terceira? Não, minto, é a terceira. Assim é que é. Só que numa das vezes eu cheguei a entrar no ar mas a chamada caiu. Ficou só aquele pi,pi,pi,pi,pi. Por isso não sei se conta.

Manuel Acácio: ...

Ouvinte:
-É capaz de não contar. Pronto, é só a segunda vez que participo, digamos assim. Vou então explanar a minha opinião. Ora bem, antes de mais nada, muito bom dia ao auditório.

E, como diz Ricardo Araújo Pereira, é por esta altura que se acabam os dois minutos a que o ouvinte tem direito. O que só confirma o velho ditado: "De boas intenções está o mundo cheio". Um ouvinte que começara por anunciar a sua intenção de ser breve e conciso, acabou por revelar-se tão palavroso e "agarrado ao microfone" que já nem dispôs de tempo para deixar a sua opinião, se é que a tinha.

Mas verdade se diga que é sempre assim. Por exemplo, quando deparo, em alguma cerimónia que meta discursos, com um orador que começa por dizer Eu vou ser muito breve, já sei que vai ser precisamente o contrário. É matemático. Ou quase. O que também não deixa de ter a sua graça.