30 julho 2005

Excerto de um livro não anunciado (249)

É que além do mais, enquanto discurso persuasivo, a retórica faz apelo a uma linguagem natural que é inseparável do concreto contexto cultural que lhe precisa as significações e determina os seus modos de expressão. Logo, ao veicular desse modo um conhecimento implícito que remete para um determinado campo de valores e noções, a linguagem natural é ela mesma portadora de condições de compreensão e comunicação, que tornam acessível ao auditório uma adequada interpretação do discurso, nomeadamente, as eventuais segundas intenções do orador. É certamente isto que leva Rui Grácio a considerar que “o homem que fala não é uma presa indefesa contra a instrumentalização de que se tornaria alvo por via de eloquências bastardas e de seduções linguísticas duvidosas, que Platão tanto temia” (*). Do que ele não pode demitir-se é da responsabilidade de decifrar as intenções de quem lhe fala, com base nas inferências que tem o direito de fazer a partir do que lhe é literalmente dito .

(*) Grácio, R., (1993), Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 103