22 agosto 2005

A economia da atenção e do agrado

Leitor, se abordas uma apathica pessoa,
Conversa no que lhe int´ressar. E se ella enjôa,
Vae por caminho inda melhor: falla-lhe d´ella!


João Arroyo - 1918 (via O Misantropo Enjaulado)


João Arroyo dirigia-se aqui a "uma apathica pessoa". Mas nos tempos que correm, a sabedoria prática destes seus versos seria susceptível de uma aplicação mais generalizada. Basta pensar que hoje nenhum de nós quer saber tudo, seja lá do que for, excepto se nos disser directamente respeito ou, no mínimo, se tiver a ver com o nosso universo de interesses, valores ou preferências.

Podemos até aceitar (ou tolerar?) a refutação dos nossos pontos de vista, mas já não temos tempo nem paciência para escutar aquele desfiar de "rosários" que nada nos dizem. A vida transformou-se num imenso parque de atracções onde a regra é não interromper o puro gozo ou excitação. Daí que se dê cada vez menor atenção ao outro. Retemos apenas aquela parte do dito que nos interessa ou que nos faz sentir bem. Não há tempo a perder. Sim, é verdade que aumentou a esperança média de vida mas muito mais subiu, entretanto, a escala dos possíveis. Reconheçamos então que era quando menos tempo se vivia que mais tempo se tinha para viver.

Agora que a escuta se tornou altamente selectiva face à multiplicação das fontes de informação e de prazer, a conversa e o debate ficaram ainda mais subordinados à economia da atenção e do agrado. Para que o valor das premissas, a correcção dos raciocínios ou o acerto das conclusões de uma argumentação possam produzir quaisquer efeitos é necessário que comecem por se mostrar suficientememte atractivos aos olhos do destinatário ou do auditório. É preciso, em suma, retórica e persuasão.