11 setembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (257)

E como este mesmo autor acentua [Norbert Elias], não se pode imaginar estas relações “como algo de semelhante a uma relação entre bolas de bilhar: batem umas nas outras e depois distanciam-se novamente umas das outras. Exercem, assim se diz, um efeito recíproco entre si” (*). Os fenómenos de interdependências que se observam no encontro de pessoas, são algo completamente distinto desse tipo de “acção recíproca” das substâncias, pois não se resumem nunca a uma convergência ou divergência, meramente aditivas. Para ilustrar a distinção, Norbert Elias recorre a uma figura relativamente simples de relações humanas, a conversação, descrevendo o processo que, regra geral, a caracteriza: “um parceiro fala; o outro replica. O primeiro responde; o outro replica novamente. Se observarmos não só o enunciado isolado como também a réplica ao mesmo, mas todo o diálogo no seu curso como um todo, a sequência dos pensamentos entrançados, a forma como mutuamente se movem numa interdependência constante, deparamos com um fenómeno que não pode ser dominado de maneira satisfatória, nem pelo modelo físico de uma acção recíproca das esferas, nem mesmo pelo fisiológico da relação entre o impulso e a reacção. Os pensamentos tanto dum falante como do outro podem mudar no decurso da conversa” (**). Ora a retórica contém em si a chave compreensiva desse fenómeno de inter-influências em que, basicamente, se funda toda a conversação, no decurso da qual, em cada um dos participantes, se formam pensamentos que neles não existiam antes ou se desenvolvem outros que já existiam, mas numa formulação diferente. A formação e o desenvolvimento de tais pensamentos, lembra Norbert Elias, “não se explica contudo apenas através da estrutura de um parceiro ou de outro mas pela relação entre este e aquele” (***). Relação essa, frisemos, de que é indissociável o elemento persuasivo, como factor determinante para a adesão total ou parcial ao pensamento do outro. É desse modo que os homens, interagindo uns com os outros, redefinem mutuamente o seu espaço de convivência e tecem os consensos que lhes proporcionam a estabilidade necessária a uma vida em comum.

(*) Elias, N., (1993), A sociedade dos indivíduos, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993, p. 42
(**) Ibidem
(***) Ibidem, p. 43