02 novembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (262)

Numa palavra, é necessário que os intervenientes, sem quebra da convicção com que defendem as suas propostas, revelem abertura às eventuais críticas ou objecções que lhes sejam dirigidas e que podem, eventualmente, enriquecer as soluções por si apresentadas. Ora como sabemos, nada disso se passa em tais debates, pois neles cada representante político costuma bater-se até à exaustão pelas soluções que o seu partido propõe, mas por regra, ignora ostensivamente as propostas dos restantes partidos, tal como se elas não pudessem conter um único aspecto ou uma única medida aceitáveis. Logo, estamos aqui em sede da já referida retórica negra, mais ou menos manipuladora. O mesmo se diga quanto ao tipo de relacionamento oposição-governo que se instala após as eleições, em que o confronto surge normalmente viciado pelos interesses de cada facção: a oposição denunciando as promessas que o governo ainda não cumpriu e o governo acentuando as promessas que já concretizou. Do ponto de vista da retórica, nenhum destes dois comportamentos é exemplar, pois ambos ficam muito aquém do que seria necessário para o cabal esclarecimento dos respectivos eleitores. Mas ainda assim, será possível afastar destes a responsabilidade pela escolha que fizeram livremente através do seu voto? Não detêm eles também a última palavra na eleição dos governantes? Eis aqui a analogia que se pode fazer entre a política e a retórica. Os eleitores, na primeira e o auditório na segunda, não se podem alhear das obrigações que lhe são próprias: escutar a palavra que lhes é dirigida, descobrir as razões expressas mas também as implícitas de quem lhes fala, analisar criticamente as soluções propostas e fazer a escolha preferível. Fazer, afinal, aquilo a que já são chamados no seu quotidiano, quando negoceiam a compra de um televisor, quando entram num hipermercado, quando discutem política com um amigo: apreciar a valia de uma proposta, resistir à sedução consumista, argumentar contra ou a favor de uma causa e tomar decisões.