06 novembro 2005

Jornalismo, laxismo ou manipulação?

1.
O provedor do JN retoma hoje a questão do título de primeira página com que o mesmo jornal anunciava há uma semana atrás a entrevista a Rui Rio. Já expliquei aqui, com algum detalhe, o que me levou a considerar que esse mesmo título configura uma clara manipulação jornalística. Chegaram-me diversas reacções (que agradeço), umas a favor e outras contra. Não se estranhe, porém, que seja do meu maior interesse contribuir para a compreensão das divergências e não tanto o ficar a marcar passo sobre o consenso já obtido. O Tiago, por exemplo, não concordou nada comigo e teve a gentileza de o escrever. Já lhe respondi, no pressuposto de que o que nos separa é uma subtil questão hermenêutica.

2.
Hoje verifico que o provedor do JN também discorda – não já do que afirmei, é claro, mas de uma asserção semelhante (apenas isso) que constava do comunicado da CMP. Certo é que, na parte que respeita à posição que assumi, o provedor não deixa de conceder que realmente [o título] “não se pode considerar o supra-sumo” do rigor. Acrescenta até que “No caso presente, há, de facto, falhas a apontar ao JN”. Ora se o próprio Rui Rio já confirmou que o texto da entrevista traduz fielmente as suas declarações, as falhas a que o provedor se refere só podem respeitar à escolha do controverso título.

3.
Em resumo, o Prof. Manuel Pinto parece reconhecer o erro do jornalista (ou do jornal). Apenas discordará que se trate de manipulação jornalística. Mas se o provedor admite que houve falhas e não aceita o meu termo “manipulação”, pode muito bem acontecer que tal se fique a dever a mera diferença de entendimento sobre o que seja ou possa ser considerado como manipulação jornalística. Tentarei por isso precisar o meu conceito de manipulação, já a seguir, mas em post separado. Por agora o destaque vai para a isenção e frontalidade com que o provedor do JN aborda a questão. E bem preciso é, ao menos para servir de exemplo, já que, nem de propósito, na mesmíssima edição de hoje, meia dúzia de páginas à frente, Pedro Ivo Carvalho reincide no mesmo tipo de manipulação quando escreve:

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“Em entrevista ao JN, o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, admite a possibilidade de “permitir” construções no Parque da Cidade. O assunto fez manchete da edição do jornal neste dia e veio revelar-se o primeiro acto de uma polémica que promete marcar o mandato do autarca agora absoluto. Porque Rio diz que não disse aquilo que disse.”

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4.
Já nem me atrevo a comentar. Deixo apenas três simples perguntas:

a) É este tipo de jornalismo que promove e aprofunda a democracia?

b) Estará tal prática jornalística em conformidade com o Código Deontológico do Jornalista, nomeadamente, quando logo no seu ponto n. 1 estabelece que “O Jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão” e que “a distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público”?

6) Será o laxismo descritivo (do título) compaginável com o alto grau de rigor e exigência (moral, por exemplo) a que os jornalistas vêm submetendo os cidadãos que por este ou aquele motivo são notícia?

Três perguntas que, se me é permitido, gostaria de transformar em respeitosas interpelações ao provedor do JN.