09 dezembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (269)

Resta analisar a quarta condição, ou seja, a intenção do sujeito que fala em ser tomado como sincero por quem o escuta. De certa forma, temos aqui a alusão a uma preocupação muito em voga nos nossos dias que é a de manter a imagem e que constitui um filão sistematicamente explorado pela publicidade mediática. Manter a imagem, claro está, mas somente quando dela se possam retirar alguns dividendos, mesmo quando estes se restrinjam ao mais elementar nível do reconhecimento pessoal. Mas não é seguramente este tipo de reconhecimento que, em primeira linha, busca aquele que quer fazer passar uma mentira, na retórica. Os seus objectivos são bem mais pragmáticos: ele pretende, antes de mais, valer-se da credibilidade de que goza para mais fácil e eficazmente fazer aceitar como verdadeiro aquilo que sabe ser falso. Estamos aqui, por assim dizer, numa aplicação pela negativa, da ligação acto-pessoa de que nos fala Perelman. O interlocutor que fica com a sensação de que está a escutar alguém cuja integridade moral é inatacável tenderá a deduzir que os seus actos são igualmente íntegros. Confia na boa-fé de quem lhe fala, age por sua parte com real boa-fé e predispõe-se a aceitar naturalmente como verídico tudo o que lhe é dito por essa mesma pessoa. Torna-se assim presa fácil da mentira, pois regra geral, só mente quem consegue aparentar que diz a verdade. E ao conseguir manter a sua imagem de credibilidade, mesmo mentindo, o mentiroso, como que prepara, inclusivamente, o terreno para novas mentiras, reforçando no seu interlocutor uma presunção de veracidade para todos os seus futuros discursos, sejam eles falsos ou verdadeiros. Com efeito, o mentiroso que é desmacarado, não só vê fugir-lhe os efeitos que da sua mentira pretendia retirar como terá dificuldades acrescidas, no futuro, em se fazer acreditar, mesmo quando pronuncie um discurso verídico, pois cabe aqui lembrar o provérbio cesteiro que faz um cesto, faz um cento.