04 fevereiro 2006

A dissuasão total

Conforme noticiou o Público da passada segunda-feira, o actual presidente do Tribunal de Contas, Guilherme D'Oliveira Martins, vai apresentar ao Governo uma proposta de revisão da lei orgânica do TC com cinco pontos, um dos quais, o quarto, muito me surpreende que não tenha merecido maior destaque por parte da comunicação social. Trata-se da inversão do ónus da prova no caso da actividade do gestor público, tal qual a anunciou o presidente do TC:

"O ónus da prova não cabe a quem acusa mas a quem tem o dever de utilizar o dinheiro público"


Daqui se infere que, a partir de agora, o princípio subjacente será o de que todos os gestores públicos são culpados, até prova em contrário. No caso da prova não surgir, ou porque se revele impossível ou porque não tenha sido previamente acautelada pelo próprio gestor público, aí teremos a condenação pura e simples. Tudo isto, a bem da "dissuasão essencial", preconiza o presidente do Tribunal de Contas. O gestor está inocente? O gestor agiu com a superior intenção de defender o interesse público? Isso deixa de ter qualquer interesse. O que é preciso é arranjar um bode expiatório e "mostrar serviço". Que chatice, essa coisa tão burocrática das acusações e condenações do TC se encontrarem sujeitas ao regime probatório. Vamos acabar com isso já. Melhor seria até invocar um Estado de Necessidade permanente para o país e fazer com que esta meritíssima proposta do presidente do TC se estendesse a todos os tribunais, a todo o normativo, a todas as actividades, a todos os tipos de ilícito. Que pelos vistos é para onde estamos a caminhar. Qualquer dia, o próprio regime geral do ónus da prova será invertido. Aí sim, teremos uma dissuasão a 100%. Ia-me esquecendo: que tempo faz agora em Kushadasi?