19 fevereiro 2006

Mitologia jornalística (2)

Um novo mito está a emergir no jornalismo: o mito da subjectividade. E num primeiro olhar, dir-se-á até que o terreno lhe é propício. Os jornalistas são efectivamente sujeitos, possuem as suas próprias limitações de percepção, descrevem e interpretam sempre sob a influência de um dado sistema de valores e da sua particular relação com o mundo. É natural, então, que observem um mesmo facto ou acontecimento por diferentes perspectivas e que possam chegar a diferentes conclusões. Só que tudo isso é consensual. O que não é consensual é o significado que lhe é atribuído e, muito particularmente, a ideia de que daí decorre a impossibilidade de um jornalismo isento e objectivo.

Foi esta mesma ideia que o telegénico José Rodrigues dos Santos (o tal da incontinente piscadela no fim do telejornal…) procurou defender no seu livro “A Verdade da Guerra”, proclamando o império da subjectividade jornalística com base neste falacioso raciocínio: “apesar de os outros campos do conhecimento, incluindo a matemática, a física e a história, já terem perdido as ilusões quanto à possibilidade de alguma vez possuirem um discurso objectivo, o campo jornalístico demorou a perceber a evidência do primado da subjectividade”(*). Ora o que muito simplesmente se passa é que nem a matemática, a física e a história perderam as ilusões sobre a possibilidade de um conhecimento objectivo, nem a subjectividade é a pedra de toque do jornalismo, como
aqui procuro mais desenvolvidamente mostrar.

Do jornalismo se poderá dizer o que Fernando Gil diz da ciência: “é precisamente por perseguir um ideal de verdade que se obriga à objectividade” (**). Porque a verdade dos factos - qualquer pessoa o percebe intuitivamente - tem que existir independentemente de quem a reconhece. Se a verdade de um facto dependesse de quem a reconhece, se um facto pudesse ser verdadeiro para este sujeito mas não para aquele, haveria então que abandonar o próprio conceito de “verdade dos factos” e substituí-lo pelo da “verdade dos sujeitos”.

Os próprios valores ou preferências individuais são evidentemente subjectivos, naquele sentido banal de que se reportam a sujeitos. Mas já não cognitivamente subjectivos, porque podem ser justificados, podem ser racionalmente compreendidos. Não valem todos a mesma coisa, não são igualmente aceitáveis, não são aleatórios. Se o verdadeiro ou o falso, o certo ou incerto, o bom ou o mau dependessem apenas da subjectividade de cada um, valeriam também apenas para cada um. E aí, desde logo, nada seria comunicável. Um absurdo, portanto, que dá ainda mais força à pergunta que Mário Mesquita deixou no ar há já alguns anos: “se os jornalistas postulam que está ao seu alcance ‘relatar os factos com rigor’, qual o sentido de recusar ou evitar o conceito de ‘objectividade’?”


* José Rodrigues dos Santos, (2002), A verdade da guerra, (3ª. ed.), Lisboa: Gradiva, p. 56
** Fernando Gil, (2001), Mediações, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 173


* Referido em: Jornalismo e Comunicação