20 fevereiro 2006

A naturalização da liberdade

Comecei a ler "A Liberdade Evolui", de Daniel Dennett. É sempre um novo e muito estimulante desafio ler Dennett. Veja-se a clareza e a simplicidade com que nos anuncia a sua concepção naturalista sobre o livre-arbítrio:

"Há uma tradição generalizada que defende que nós, seres humanos, somos agentes responsáveis, capitães do nosso destino, porque o que real­mente somos é almas, pedaços imateriais e imortais de matéria divina que habitam e controlam os nossos corpos materiais como se fossem titereiros espectrais. As nossas almas são a fonte de todo o significado e o locus de todo o nosso sofrimento, alegria, glória e vergonha. Mas esta ideia de almas imateriais, capazes de desafiar as leis da física, perdeu a sua credibilidade graças ao avanço das ciências naturais. Muitas pessoas pensam que isto tem implicações terríveis: na realidade não somos dotados de «livre-arbítrio», e nada faz sentido. O objectivo deste livro é mostrar por que razão estas pessoas estão erradas."

Nem sempre a natureza dos assuntos permitirá a mesma simplicidade. Mas a preocupação pedagógica que Dennett costuma manter da primeira à última página, logo vem em socorro do interessado leitor. Dennett é um autor singular e polémico. Talvez, por isso, que a melhor forma de o ler seja a de suspendermos por momentos a confiança que nos habituamos a depositar em muitos dos nossos conceitos-chave (cérebro, mente, cognição, vontade, acção, determinismo, liberdade, etc.). Sublinhe-se, contudo, que justamente um dos grandes méritos de Daniel Dennett é o de nos permitir pôr à prova ou testar a fiabilidade e a segurança de conhecimentos que julgamos solidamente adquiridos. Só por isso, já antecipo: vou gostar deste livro.